sábado, 22 de maio de 2010

A ARTE DE ENVELHECER

A ARTE DE ENVELHECER

O envelhecimento tornou-se um novo campo de estudos especializados pela elevação contínua dos índices de expectativa da existência humana. Em função de pesquisas recentes, os gerontólogos passaram a distinguir etapas nesse processo de durabilidade, chamando de Terceira Idade, a faixa de 60 a 80 anos; e de Quarta Idade, a que se segue dos 80 anos em diante.

Segundo os especialistas, a Terceira Idade seria ainda constituída por anos bons, dispondo a pessoa de relativo vigor e tendo preservadas a inteligência e a memória, o que lhe asseguraria ainda trabalhar e ter uma existência ativa e de boa qualidade. Já a Quarta Idade, seria uma fase com fragilidade e disfuncionalidade; manifestando muitos nonagenários, perdas sensíveis de autonomia, memória e identidade pessoal. Por outro lado, por meio de testes aplicados, os idosos, nessa fase, mostram índices mais elevados de inteligência emocional e sabedoria, despertando neles, a consciência de que eles não são “corpos”, mas Espíritos imortais, preparando-se para desligar-se do envoltório carnal, no ensejo da desencarnação, encarando com tranqüilidade a passagem para a Espiritualidade, na qual a vida continua.

É ainda preconceituosa e inamistosa a maneira com que muitas pessoas analisam e consideram o envelhecimento físico, sem se darem conta que, os que assim pensam e agem, estarão fadados a essa experiência no ciclo da existência biológica, a não ser que morram prematuramente.

Eu (79 anos) e muitos outros idosos que procuramos tratar com naturalidade esta fase da existência, nos vemos em certas ocasiões, apreensivos com as limitações que a fase do envelhecimento físico nos impõe. Olhando-me no espelho, tento recordar o meu rosto de outrora e estranho à aparência física que a realidade reflete. Pensei: a cada dia estou envelhecendo em pouco mais o que é natural. Percebo as marcas dos vincos que estão se acentuando. Noto que meus olhos já não têm tanto brilho e a percepção visual diminui a cada dia. Já não ouço os sons com a nitidez e a precisão que muitos momentos requerem... Minha voz já tem dificuldades em função da falta dos dentes. E meus cabelos ? Estão brancos e não possuem mais a maciez, o brilho e a vitalidade de outrora, embora ainda me reste a satisfação de não estar careca.

Lembrei-me de um poema de Cecília Meirelles, em que diz: “Em que espelho do tempo ficou perdido meu rosto ?” Mudamos muito, realmente, porquanto o tempo passa. Mudamos tanto intimamente como exteriormente. O desgaste da existência, os problemas do cotidiano, as lutas, os deveres e os trabalhos que são presentes ante a responsabilidade da família, nos vão desgastando ao longo dos anos. Entretanto, para nossa felicidade, sentimos que o desgaste maior é exterior, não afetando tanto nosso espírito que criado anteriormente, e por mais existências que já tenha tido, ainda é muito jovem, precisando progredir a cada ano, a cada nova existência. Observamos que não nos sentimos tão envelhecidos, quando analisamos nossa idade física e a comparamos com a nossa idade mental. Muitas pessoas espiritualizadas como eu, se sentem intimamente com menos idade, ou a idade não pesa tanto para nós.

Refletindo em torno do envelhecimento físico, busquei uma análise mais profunda sobre meu estado interior. Percebi que o mais importante é como eu estou me sentindo; e na busca desse conhecimento, constatei que existem muitas vantagens, muitos avanços e conquistas imperecíveis com relação a minha existência e o meu relacionamento com o próximo. Percebi que amo a minha presente existência, amo meu corpo (o jumentinho do espírito, no dizer de Francisco de Assis), amo minha esposa, meus filhos, meus parentes, amo meus amigos, amo o meu lar, a Natureza, amo a Jesus, e acima de tudo a Deus, por me ter dado a vida e tudo que Ele me tem proporcionado e aos meus entes queridos.

Esse imenso amor que sinto dentro de mim, dá um novo colorido a minha existência e a tudo que me cerca. Essa capacidade de amar não é privilégio meu, pois todos nós podemos amar, e estamos imersos no imensurável Amor de Deus...

Estou aprendendo a ser tolerante. Procuro não guardar o lixo mental das mágoas e dos aborrecimentos porque isso faz mal; tento esquecer o lado negativo das pessoas e das coisas, para não me prejudicar espiritualmente. Ainda faço planos, como todas as pessoas, sonho e tenho ideais que busco concretizar a cada dia da minha existência. Sempre que tivermos realizado um sonho, um desejo, devemos criar outros para nos dar a motivação do trabalho e da existência. No dia em que não tivermos mais sonhos ou desejos a realizar, nesse dia, melhor seria deixarmos a existência, o que também não deixa de ser um desejo para muitas pessoas que sofrem demasiadamente ou que estejam em fase terminal.

Luto pelos meus ideais e pelos meus sonhos, embora saiba que alguns deles talvez sejam irrealizáveis, mas não dispenso eles nem a ilusão com que eles enfeitam meus dias de esperanças... Alguém disse que “sonhar também é viver”.
Tenho prazer em ler um bom livro, ou revista e me sinto feliz com as histórias de outras pessoas que se realizaram no bem. Admiro a arte dos que sabem escrever sensibilizando as pessoas; seja um pequeno conto infantil tocado de sensibilidade, ou a mais profunda reflexão filosófica, como a Doutrina dos Espíritos.

Tenho procurado desenvolver o sentimento de fraternidade e o da gratidão... Poucas pessoas são agradecidas a Deus, à Natureza, à família, aos que sempre nos ajudaram ao longo da existência. São tantas as graças recebidas de Deus e de tantas outras pessoas que é impossível lembrar de todas, porém dou destaque à minha querida mãe, que foi a pessoa mais importante em minha infância, minha juventude e minha fase de adulto; que me ensinou a respeitar as pessoas e as leis divinas e a entendê-las na filosofia espírita. O ser humano evolui através do exercício da gratidão.

Olhando-me no espelho da vida, recordei a minha infância, os dias, meses e anos vividos e concluí que sou feliz, muito feliz. Não a felicidade efêmera e fugaz da existência terrena, mas a que nos confere uma consciência em paz, de quem está fazendo o possível para progredir e contribuir para a felicidade do seu próximo. Esta compreensão maior que a Doutrina dos Espíritos nos dá em torno do real sentido da existência, no trato com os problemas do dia-a-dia, no enfrentamento das dificuldades e limitações que o envelhecimento físico proporciona, é luz, é sabedoria a direcionar nossos passos, rumo ao nosso destino maior, neste entardecer da existência.

Joana de Angelis, no livro “O Despertar do Espírito”, diz: “A velhice física deve ser considerada inevitável e ditosa pelo que encerra de gratificante, após as lutas cansativas das buscas e realizações. É o resultado de como cada um se comportou, enriquecida com recordações ditosas ou infelizes... Envelhecer é uma arte e uma ciência; o despertar da alma para a grandeza espiritual”.

No livro “Boa Nova”, conta o Espírito de Humberto de Campos que, Jesus, respondendo ao apóstolo Simão o “Zelote”, no tema “Moços e Velhos”, sobre ele ser mais velho que os outros apóstolos, e o declínio de suas forças para os serviços do Evangelho, disse: “Simão, poderíamos acaso perguntar a idade de nosso Pai Celestial ? E se fôssemos contar o tempo, quem seria o mais velho de todos nós ? – A vida é como uma árvore grandiosa. A infância é a ramagem verdejante. A mocidade se constitui de suas flores formosas. A velhice é o fruto da experiência e da sabedoria. Há ramagens que morrem depois de receberem os primeiros raios do sol, e flores que caem ao primeiro sopro da Primavera. O fruto, porém, é sempre uma benção do trabalho do Todo Poderoso. A ramagem é uma esperança; a flor é uma promessa; o fruto é a realização. Só ele contém o doce mistério da vida. Esta imagem pode ser também a da vida do Espírito na sua radiosa eternidade, marchando sempre para o fruto da edificação. Em face da grandeza espiritual da vida, a existência humana é uma hora de aprendizado, no caminho infinito do Tempo, encerrando o que existe no todo. É por isso que vemos, por vezes, jovens que falam com uma experiência milenar, e velhos sem reflexão e sem esperança. – Achas que os moços de amanhã poderão fazer alguma coisa sem os trabalhos e os conhecimentos dos que estão envelhecendo e os precederam ? Poderia a árvore viver sem a raiz; a alma sem Deus ? – Os moços de hoje também ficarão velhos e os cabelos brancos de suas frontes atestarão profundas experiências. – Quando estiveres com as crianças que ainda pedem cuidados, e os jovens que são como abelhas que ainda não sabem fazer o mel, desculpa os entusiasmos ainda sem rumo. Esclarece-os, Simão, e ama a todos, e não penses que outro homem pudesse efetuar, no conjunto da obra divina, o esforço que te compete. – Em verdade, Simão, ser moço ou velho no mundo, não interessa... Antes de tudo é preciso ser de Deus. Vai e tem bom ânimo !...”

Dando Jesus por terminado o seu esclarecimento, Simão, o Zelote, se retirou satisfeito, como se houvesse recebido no seu coração uma energia nova, que o reanimava ao trabalho do Evangelho.
Recentemente foi aprovado o Estatuto do Idoso. Infelizmente, estabelecer direitos, tanto em nosso país como em outros, não implica que sejam cumpridos. Para ser mais claro, a lei na maioria das vezes não representa a realidade. O Brasil é hoje “um país jovem de cabelos brancos”, e que ainda não aprendeu a lidar com essa massa popular que aumenta todo ano em nosso país. Por isso é que podemos observar tantas discriminações para com os idosos. Nossos jovens deveriam ter uma reeducação em relação ao que pensam sobre os idosos, pois os jovens de hoje, serão os idosos do amanhã. Vários paises na Europa, “já pensam nos idosos há muito tempo, e nas escolas eles educam as crianças a respeitar e se aconselharem com os mais velhos”.

A discriminação contra os idosos, não será resolvida pelas penalidades impostas no Estatuto do Idoso, que nos artigos 96 e 108, vão desde multa até a reclusão. Somente com a educação aplicada no âmbito familiar é que as pessoas passarão a obedecer essas regras, e não por temerem as penalidades, mas por uma questão moral. Esperamos que com o Estatuto, seja possível criar não uma mudança no sistema, mas uma mentalidade de mudança, já que a palavra, “velho”, vem acompanhada de conotações pejorativas. “Não devemos contar o ser humano pelos anos, que começa no berço e acaba no túmulo, mas dentro de uma perspectiva que teve começo e não terá fim, pois tudo caminha e se resume em termos de evolução e eternidade”.

Numa sociedade que idolatra a juventude, a beleza, a forma física, ser idoso significa estar envolvido em um universo de rejeição, preconceitos e exclusões. Quando as pessoas se referem ao processo de envelhecimento, geralmente o que vem à cabeça é um processo de perda; dificilmente são reconhecidos os ganhos com o passar da idade, quando a pessoa já vivenciou experiências, adquiriu conhecimentos e, na maioria das vezes, cresceu espiritualmente.

Segundo a Organização de Saúde, o Brasil ocupa hoje a décima posição no ranking de idosos. A cada ano, 650 mil novos brasileiros passam a figurar na camada acima de 60 anos. Uma pesquisa realizada no ano passado revelou que a expectativa de vida do brasileiro passou para 71 anos, enquanto em 1980 era de 62 anos. O IBGE afirma ainda que a população do Brasil com mais de 60 anos, está perto dos 16 milhões; ou seja, 9 % dos cidadãos deste país.

Para que se tenha uma idéia de como são tratados os idosos, nos servimos do artigo 15º, parágrafo 3º do Estatuto, que diz: “É vedada à discriminação do idoso nos planos de saúde, pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”. Desrespeitando a Lei e as autoridades, essa é uma prática comum nos planos de saúde, que vão aumentando as mensalidades de acordo com a idade das pessoas, chegando ao ponto de muitos abandonarem o sistema, por não poderem mais pagar, perdendo tudo o que pagaram anteriormente, sem nenhum ressarcimento por parte das empresas.

Outros exemplos negativos passo a expor como pequenas histórias, onde filhos tratam seus pais de maneira vergonhosa e interesseira, sem se preocuparem com o mandamento: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”. A primeira tem o título “A Fama de Rico”. - Manoel Rabelo, fazendeiro, fora acometido de paralisia nas pernas. Vivia no leito, rodeado pelos filhos atentos, com a assistência contínua e muito carinho. Durante a doença conheceu a Doutrina Espírita, que lhe abriu novos horizontes à existência mental. Pouco a pouco foi se desprendendo da idéia de posses terrenas. Para que morrer com tantas posses ? Queria agora era a benção da paz. Viúvo, com boa fortuna e prevendo a desencarnação próxima, chamou os quatro filhos e repartiu com eles os seus bens, avaliados em seis milhões de reais. Com isso, veio a reviravolta. Donos de riqueza própria, os filhos se fizeram distantes e indiferentes; embora o pai rogasse, as visitas eram raras e as atenções nenhuma. Rabelo, muito triste e quase abandonado, perguntava a si mesmo se não havia se precipitado, dividindo os seus bens. Os filhos não eram espíritas e mostravam irresponsabilidade para com ele. Nessa situação, apareceu-lhe antigo devedor. Antonio Matias, seu amigo, veio lhe pagar um grande empréstimo que havia tomado sob palavra, e lhe entregou quatro milhões de reais. Na presença de dois filhos, Rabelo colocou o dinheiro no cofre junto à cama. Sobreveio então o imprevisto. Os quatro filhos sabedores do assunto voltaram às antigas manifestações de atenção e carinho. Revezam-se junto a ele, e tome caldo de galinha, frutas vitaminas e outras coisas mais. E assim, viveu ainda mais dois anos, cercado dos filhos e em grande serenidade. Exposto o corpo a visitação, os filhos se fecharam no quarto e abriram aflitamente o cofre somente encontrando lá, um bilhete assinado pelo pai, entre as páginas de um “Evangelho Segundo o Espiritismo”. – O papel dizia; “Meus filhos queridos; Deus abençoe vocês. O dinheiro que recebi, distribuí entre várias obras espíritas de caridade. Deixo a vocês, o capítulo décimo quarto deste livro. – Os filhos extremamente desapontados, abriram o livro e leram o recomendado que dizia: “Honrai a vosso pai e a vossa mãe”...

A segunda história tem o título: “O Velho e o Neto”. – Existia num lugar, um velho, quase cego e surdo, com mãos e pernas trêmulas. Quando se sentava à mesa para comer, mal conseguia segurar a colher. Derramava a sopa na toalha e, quando afinal acertava a boca, deixava sempre cair uns bocados pelos cantos, qual criança pequena. O seu filho e a nora dele achavam que era uma porcaria e ficavam com nojo e o recriminavam. Eles terminaram por fazer o velho comer num canto da cozinha. Levavam a comida para ele, numa tigela de barro, e o que era mais reprovável, além da pior comida, ainda não lhe davam o suficiente, deixando-o quase sem alimento. O velho olhava para a mesa e nada mais vinha. -Numa ocasião, suas mãos tremeram tanto devida a fraqueza, que ele deixou a tigela cair no chão e ela se quebrou. A nora ralhou com ele que só chorou.
-Depois, para que não acontecesse de novo, a nora comprou uma gamela de madeira, e foi nela que o velho passou a comer... - Certo dia, quando estavam sentados na varanda, o neto do velho, um menino de quatro anos, estava brincando com um pedaço de pau. O pai lhe interrogou: “O que você está fazendo ?” O menino respondeu: “Estou fazendo um, igual ao do vovô, para papai e mamãe poderem comer quando estiverem velhos”. O pai e a mãe se olharam de surpresa e depois caíram no choro de arrependimento. Depois disso, trouxeram o velho de volta para comer na mesa; passaram novamente a comer juntos, e, quando o velho derramava alguma coisa, ajudavam e ninguém dizia nada. Eles haviam aprendido a lição”.

Igual, a esse filho, existem muitos outros pelo mundo afora, que não cuidam e nem respeitam os seus pais, achando-se somente credores de tudo, nada retribuindo pelo muito de sacrifícios, dedicação e amor que receberam, quando ainda crianças e adolescentes dependentes. Se visitarem os asilos, verão quantos pai e mãe lá se encontram abandonados pelos filhos e filhas, além de outras pessoas que serviram famílias durante anos e quando não puderam mais trabalhar, foram relegadas ao abandono sem nenhuma consideração.

Envelhecer é uma condição inerente ao ser humano, que não é agradável e nem aceita por muitas pessoas, apegadas à existência terrena e as vantagens temporárias que desfruta. Envelhecer, para as pessoas que já têm noções da vida espiritual, é a esperança de uma viagem agradável, onde vamos colher os frutos do bem que fizemos aos nossos semelhantes. Somente aqueles que na existência nada fizeram para ter méritos ou evoluir, lamentam o envelhecimento e se arrependem da existência vazia de realizações positivas. Envelhecer, portanto, significa haver completado um ciclo de trabalhos, experiências, resgates e aquisições que nos garantem uma partida, quando chegar a nossa hora, em melhores condições das que quando aqui chegamos. Envelhecer é o caminho de retorno à nossa realidade de espírito imortal, rumo ao progresso e à nossa evolução espiritual.

Quando se cumprir toda a nossa jornada terrena, estamos tranqüilos para a nossa viagem de retorno à Espiritualidade, onde iremos encontrar aqueles que foram nossos entes queridos aqui na Terra.


“Nascer, viver, morrer, renascer ainda e progredir continuadamente, tal é a lei”,
nos ensina Allan Kardec.



Bibliografia:
Livro “o Despertar do Espírito”
“ “Boa Nova”

Jc.
S.Luis, 17/3/2004
Refeito em 18/5/2010

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