sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

MORAL ESTRANHA

MORAL ESTRANHA

Há passagens nos Evangelhos, escritas pelos apóstolos e discípulos que se contradizem e que são atribuídas a Jesus. Dentre estas, as mais significativas são as que nos serve de título nesta exposição: Moral Estranha.

Diz Lucas, no cap. XIV vrs. 25 e 26, que Jesus se dirigindo a uma multidão lhes diz: “Se alguém vem a mim, e não aborrece seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, sues irmãos e suas irmãs, e mesmo sua própria vida, não pode ser meu discípulo”. Já, Mateus, que foi seu apóstolo, referindo-se ao mesmo assunto, diz no cap. X v. 37, que Jesus teria dito o seguinte: “Aquele que ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim, não é digno de mim; aquele que ama sua filho ou sua filha mais do que a mim, não é digno de mim”. Diz ainda Mateus, no cap. XIX v. 29, que Jesus teria dito: “Todo aquele que tiver deixado, por meu nome (minha causa), sua casa ou seus irmãos e suas irmãs, ou seu pai ou sua mãe, ou sua mulher ou seus filhos, ou suas terras; por isso receberá com vezes mais, e terá por herança a vida eterna”.

Entre estes dois textos narrados pelos evangelistas, chega-se a conclusão de que Lucas, por não ter sido apóstolo de Jesus, tomou conhecimento distorcido da vida e dos ensinamentos de Jesus, através de outros, conforme ele mesmo admite no cap. L v. 2, no seu Evangelho, escrito 70 ou mais anos depois da partida de Jesus, conforme aconteceu também com Marcos. Sendo assim, como é comum, quando se ouve uma história e se passa essa mesma história para outra pessoa, nunca a reproduzimos conforme a ouvimos; sempre se suprime, modifica ou acrescenta alguma coisa, para melhor apresentá-la. Há outro motivo; na língua hebraica havia muitas palavras com vários significados; como a palavra que exprimia “camelo”, que tanto podia se referir ao animal como também a corda feita com o pelo do camelo, sendo empregada por Jesus, quando disse que era mais fácil um camelo (corda) passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.

Há ainda o fato de que os primeiros escritos foram gravados em rolos de papiros, material facilmente deteriorável, sendo comum também as alterações dos escritos, todos eles feitos a mão, acrescentando ainda que não existe um único texto original, sendo tudo “cópia de cópia”, onde se multiplicaram as falhas e os enganos. Assim sendo, deixemos a narrativa de Lucas que não condiz com os ensinos de Jesus e passemos a analisar o texto de Mateus: “Todo aquele que tiver deixado, por meu nome (causa), sua casa ou seus pais, sua mulher e seus filhos, seus irmãos, ou suas terras; por isso receberá cem vezes mais, e terá por herança a vida eterna”. A aplicação dessas máximas também ocorre quando há uma guerra e a pátria exige que seus filhos deixem interesses e afeições de família, para defendê-la, às vezes até em terras distantes, como tem acontecido.
Porventura é censurado aquele que deixa os pais, mulher, filhos, irmãos, o lar e seus deveres, para marchar em defesa da pátria? Ao contrário, reconhece-se o mérito por cumprir um dever. Existe, portanto, deveres que se sobrepõem a outros deveres. Temos outro exemplo: Quando cumprindo uma lei, a filha deixa seus pais para seguir seu esposo. Quantos deixam também os familiares, às vezes até em situações difíceis, para atender um determinismo divino, que nos retira da existência terrena? O mundo está repleto de casos em que as separações são necessárias; mas as afeições não deixam de existir por causa delas. Vê-se então, que essas palavras de Jesus, não são a negação do mandamento que determina honrar e amparar pai e mãe, nem do sentimento de ternura paternal; principalmente quando existe também o vínculo espiritual. Essas palavras de Jesus tinham por finalidade mostrar o quanto era imperioso o dever de se preocupar e viver para a vida futura, que se sobrepõe a todos os interesses e todas as considerações da existência terrena.

Passemos agora a outro texto em que, Lucas e Mateus dizem as mesmas coisas: “Não penseis que eu vim trazer a paz sobre a Terra; eu não vim trazer a paz, mas ao contrário, a divisão; porque eu vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe, a nora de sua sogra; e o ser humano terá por inimigos, os de sua própria casa”. Lucas cap. 12 v. 49/50. Mateus cap.10 v.34 a 36.

Sendo Jesus a personificação da Paz e Bondade, pregando o amor ao próximo; essas palavras não nos parecem uma contradição com seus ensinamentos?- Não! - Não, se procurarmos o seu verdadeiro sentido que expressa alta sabedoria. Somente à forma um pouco alegórica que tomada ao pé da letra, tenderia a transformar sua missão pacífica, numa missão de perturbação e discórdia, o que seria um contra-senso, porque Jesus não poderia se contradizer. Analisemos então esta passagem.

Toda idéia nova encontra sempre oposição, e não há uma única que tenha vencido sem lutas árduas. Mas, se ela é verdadeira, se está sobre uma base sólida, um pressentimento adverte seus opositores de que ela representa perigo para eles; por isso combatem a nova idéia e seus seguidores. Assim foi com Sócrates e Jesus, outrora, e hoje está sendo com a Doutrina dos Espíritos. Jesus vinha proclamar uma doutrina que destruía pelas bases, os abusos e privilégios nos quais viviam os fariseus, escribas e sacerdotes do seu tempo. Por esse motivo, o fizeram morrer e aos seus apóstolos, discípulos e seguidores, crendo matar a idéia, matando os homens; mas a idéia sobreviveu, porque era verdadeira e estava nos desígnios Divinos.

Infelizmente os adeptos da nova doutrina não souberam entender e interpretar os ensinamentos do Mestre, a maior parte feita por parábolas e alegorias; daí nascerem as divergências e várias seitas, cada qual pretendendo ter a verdade exclusiva, esquecendo os mais importantes preceitos que Jesus ensinava como condição de salvação: O amor a Deus e ao próximo e a caridade.. Assim, quando Jesus disse: “Não creiais que eu vim trazer a paz, mas a divisão”, seu pensamento era: Não creiais que a minha doutrina se estabeleça pacificamente; ela conduzirá a lutas sangrentas, das quais meu nome será o pretexto. Os irmãos, separados por crenças, se digladiarão um contra o outro e a divisão reinará entre os membros da família que não tiverem a mesma fé. Não é isso o que aconteceu em todos os tempos? Desde a época de Jesus, passando pelas Cruzadas, chegando aos tempos da Inquisição e até os nossos dias, o que observamos, lemos nos jornais, ouvimos nas rádios e vemos nas televisões? Irmãos se agredindo e se matando em nome de Jesus. Não é isso o que acontece na Irlanda e na Palestina? Não estão em lutas e mortes, católicos e protestantes, judeus e muçulmanos? Eles não estão se digladiando por pretenderem ter a verdade e em nome de Deus? E no resto do mundo, quantas perseguições e mortes em nome de Jeová, de Allah, de God, de Deus?

Jesus, em sua profunda sabedoria, já previa o que deveria acontecer porque eram coisas que se prendiam à inferioridade da natureza humana, que não podia se melhorar de repente. Seria preciso que o Cristianismo passasse por essa longa prova e ressurgisse dela puro, com o advento da Doutrina dos Espíritos; que veio ao mundo no tempo certo predito por Jesus, como o Consolador Prometido, para relembrar tudo o que fora dito, retirar o véu de muitas coisas e esclarecer outras mais que Jesus não pudera ensinar aos seres rudes e ignorantes da sua época. Descoberto, portanto, o sentido oculto das palavras de Jesus, a moral estranha não passa de mais um ensinamento mal compreendido e mal interpretado, pelas pessoas que se limitam apenas a ler, não percebendo nas alegorias e parábolas usadas por Jesus, o sentido moral e espiritual de que se fazia portador.

Lembremos a pergunta que os apóstolos fizeram ao Mestre: “Por que lhes falais por parábolas?” – E respondendo Jesus disse: “Porque para vós outros, vos foi dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas para eles não foi dado. Eu lhes falo por parábolas, porque vendo não vêem, e escutando não ouvem nem compreendem, para que se cumpra a profecia de Isaías, quando disse: “Vós escutais com vossos ouvidos e não ouvireis; olhareis com vossos olhos e não vereis, porque o coração desse povo está entorpecido”.

A Doutrina dos Espíritos vem lançar luz sobre uma multidão de pontos obscuros. Os Espíritos procedem nas suas instruções gradualmente, abordando as diversas partes da doutrina e outras serão reveladas à medida que tenha chegado o tempo do conhecimento. O Espírito de Verdade nos adverte: “Venho, como antigamente entre os filhos transviado de Israel, trazer a verdade e dissipar as trevas. Escutai-me. O Espiritismo, como antigamente minha palavra, deve lembrar aos incrédulos que, acima deles reina a verdade imutável. Espíritas! amai-vos, eis o primeiro ensinamento; instruí-vos, eis o segundo”.


Bibliografia:
‘Evangelho Segundo o Espiritismo”

Jc.
03/11/1998

Nenhum comentário: