quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A ESCOLHA DA RELIGIÃO

A ESCOLHA DA RELIGIÃO

Herculano Pires, ao comentar a religiosidade da Doutrina dos Espíritos, classifica de forma genérica as religiões, em: dedutivas (que se deduz) e indutivas (que analisa os fatos), para chegar à síntese abraçada por Allan Kardec, de fé raciocinada, na busca da religião em Espírito e Verdade. Para melhor entendimento, tomemos a mesma figura utilizada por Herculano Pires.

O selvagem que derruba uma árvore para fazer dela uma canoa para sua utilização, o faz com um sentimento de religiosidade, porque está perfeitamente integrado ao seu meio, usando da inteligência (atributo divino) e da habilidade (fruto do esforço e da experiência); porém, quando este mesmo selvagem derruba outra árvore e, utilizando os mesmos atributos da inteligência e da habilidade, faz dela um totem, uma imagem para adoração, é outro o sentimento religioso. A grande diferença está no propósito, na intenção que motivou a ação. No primeiro caso, o selvagem se integra legitimamente à natureza, retirando dela os recursos necessários à sua sobrevivência, estabelecendo também um contato direto com o Criador. O resultado é imediato, expressando-se na valorização do indivíduo que não esperou que alguém fizesse por ele. Ele mesmo fez e reconhece que o trabalho foi seu, com os recursos da natureza oriundos da divindade. Neste caso, o indivíduo se liberta, conhecendo sua capacidade e limites, e ainda reconhece a existência de um Ser Superior, tornando-se um co-criador. Estabelece-se um processo participativo que cria um estímulo – Indutivo.

No segundo caso, em que a árvore serve para ser feita uma imagem, o indivíduo abriu mão do contato direto com o Criador, elegendo um intermediário e estabeleceu um processo de transferência e troca: renderia culto, homenagem, sacrifício ao ídolo de madeira e, em troca, esperava ver atendidas suas solicitações e anseios. Ficou assim, dependente do “ídolo” construído por ele mesmo. Se as solicitações por qualquer forma foram atendidas, todo o mérito será do ídolo material; caso contrário, o ídolo-deus estava descontente, daí a necessidade de mais cultos, homenagens e sacrifícios, e, na persistência da negativa, por que não outros ídolos-deuses, para ser atendido? – Neste caso, ele se condiciona. Acredita na imagem de um ser superior, crê e espera em atitude contemplativa, tornando-se dependente – processo dedutivo...

Esta é igualmente, a grande diferença existente entre o caráter da religiosidade manifestada nas religiões tradicionais, e o caráter da defendida pela Doutrina dos Espíritos. As religiões tradicionais se manifestam através de cultos, rótulos, dogmas, sacerdotes ou pastores, sacramentos, hierarquias e templos suntuosos que terminam por condicionar o indivíduo, a tal ponto que o rótulo e o templo de pedra, se tornam mais importantes que o Pai Criador ou o ser humano, que é a essência e a razão de ser, de toda estrutura religiosa. Os freqüentadores se tornam meros expectadores contemplativos e, por isso, elas são classificadas como religiões dedutivas, porque crêem na existência de um Criador, reconhecem seu poder, mas apenas esperam as graças, as bênçãos e a salvação ociosa, sem nenhum trabalho. Embora esse comportamento inadequado ronde o meio espírita, até porque já tivemos militância no seio dessas religiões tradicionais, a proposta da Doutrina dos Espíritos é completamente diferente.

A dificuldade de se assimilar estes novos conceitos levou até os próprios apóstolos a não compreenderem de imediato, visto o apego de Pedro e Tiago para com as tradições judaicas, principalmente sobre a circuncisão, o que provocou a enérgica intervenção de Paulo.

Este é hoje, o compromisso dos espíritas: impedir que a Doutrina dos Espíritos se torne apenas mais uma religião dedutiva. Sua essência como religião, ciência e filosofia indutiva, deve ser ensinada e praticada. As casas espíritas não podem a não devem ser equiparadas a templos que ensejam atitudes meramente contemplativas; mas locais de aprendizado e trabalho, como verdadeiras escolas de aprimoramento de almas, as quais deverão ser preparadas para o futuro e a prática da caridade, pois é esta que assinalará a nossa verdadeira ascensão espiritual. Nas casas espíritas, os freqüentadores devem aprender que não precisam de rituais, dogmas e nem mesmo de templos suntuosos para se comunicarem com o Criador. Podem e devem fazê-lo diretamente, sem intermediários. Herculano Pires nos diz ainda: “A religião espiritual, desprovida de culto externo, iluminada pela razão, não precisa de um sacerdote, de um pastor, do beneplácito de uma igreja: mas tão somente da pureza de sentimento e da consciência voltada para Deus”.

Jesus não fundou nenhuma religião, e Allan Kardec evitou o quanto pode o rótulo da religiosidade, preferindo classificá-la como ciência, filosofia e religião, com conseqüências morais, considerando como a melhor moral, aquela anunciada por Jesus. Herculano ainda assinala: “A religião dedutiva faz Deus baixar à Terra e materializar-se em imagens e objetos, enquanto a religião indutiva faz o ser humano subir às esferas superiores, desmaterializado e em razão do amor, para encontrar a Deus”. Por isso Kardec utilizou dos métodos científicos e filosóficos, na estruturação da Doutrina Espírita, diferenciando-a dos demais conceitos religiosos até então vigentes.

O caráter religioso da Doutrina dos Espíritos é aquele que dá prioridade ao ser humano na sua trajetória de libertação e evolução. É aquela que vem cumprir a promessa de Jesus, na condição de Consolador, esclarecendo e consolando as pessoas através do conhecimento, sem dogmas, sem culto exterior, sem sacerdócio, sem apego material, sem intenção de domínio. Ela explica facilmente ao ser humano que ele é um Espírito em evolução, responsável direto pelas suas ações e as suas conseqüências, portanto, pelos seus fracassos e vitórias, dores e alegrias. Ela é a doutrina que promove a renovação da fé pela razão, e a esperança pela confiança na justiça divina, expressando-se como a forma mais pura de religiosidade; aquela em que o ser humano age com plena consciência e conhecimento dos seus deveres, livre de ameaças e coações, na certeza de que ele é mesmo o construtor do seu futuro que deve ser de evolução.

Para situar a Doutrina dos Espíritos face às diversas filosofias e religiões do mundo, vale a pena estudar alguns trechos da obra “Religiões e Filosofias”, de Edgard Armond, para entender melhor o posicionamento da Doutrina Espírita. Em qualquer situação em que a coloquemos, ela ficará bem e em seu devido lugar. Pode ser considerada uma ciência, no que se refere ao conhecimento da vida cósmica; pode ser posta entre as filosofias, porque oferece possibilidades novas de conhecimentos mais amplos e mais elevados; pode ser encarada como religião, contudo, sem apresentar os defeitos que estas possuem, e permite soluções dos problemas até hoje considerados insolúveis, oferecendo meios de analisá-los direta e objetivamente.

A Doutrina dos Espíritos está na raiz e na essência de todos os conhecimentos; engloba todos e pode ser considerada uma espécie de cúpula a rematar, pelo alto, a vasta e complexa estrutura do pensamento religioso, na sua evolução até o presente. Entretanto, apesar de integrar-se em todas as manifestações de religiosidade humana, representada por todas as doutrinas, não deriva de nenhuma delas. Por exemplo: nada possui dos cultos primitivos do totemismo, com os efeitos resultantes da adoração de objetos, plantas e animais, e até mesmo os elementos da Natureza. Não faz parte das concepções da trilogia chinesa, mas está bem viva no culto prestado aos antepassados e nas práticas chinesas de intercâmbio com eles, após a morte... Não descende do hinduísmo porque não admite as separações de castas, privilégios sacerdotais e a regressão das almas dos humanos para os animais... Do vedismo não tem as cerimônias supersticiosas, a prática de sortilégios, o misticismo grosseiro... Do bramanismo, não tem a rigidez imperiosa, as limitações desesperadoras e o conceito da “metempsicose”, que como já dissemos, admite o retrocesso do Espírito às formas da vida animal inferior. Se aceita muitos pontos de concordância com o budismo, no que diz respeito à fraternidade e ao sentimento de caridade para com o próximo, entretanto, não aceita dele a concepção gnóstica de poder o ser humano viver sem Deus, evoluindo unicamente pela renúncia e pelo desapego das coisas do mundo, porque sabe que as coisas materiais são necessárias e úteis à evolução do Espírito, e porque é com o auxílio do mundo material que ele pode realizar as experiências da sua própria elevação; e por isso não aceita o isolamento, ao contrário, aconselha o trabalho no campo da vida social, a partilha das dores e das alegrias, dos erros e acertos, para que o ser humano possa subir em perfeito equilíbrio, adquirindo da vida um conhecimento integral e completo.

Reconhecendo a existência de forças que levam ao mal, não aceita o mal como tendo existência à parte e independente, como um poder distinto e antagônico, mas ao contrário, prega que o mal é unicamente a ausência do Bem; uma ação praticada por espíritos ignorantes, em condições inferiores, que, com o passar do tempo, pelo uso do livre-arbítrio e pelas experiências sucessivas que fizeram, passarão a agir diferentemente, praticando apenas o bem, em função da própria evolução.

Se o Judaísmo é religião monoteísta e matriz do Cristianismo, sua organização sacerdotal, exclusivista e com predestinação racista, oferece diferenças profundas com a Doutrina dos Espíritos, que é universalista, despida de fórmulas e essencialmente regeneradora do espírito humano. O fanático fatalismo Islâmico não encontra lugar na Doutrina dos Espíritos, que reconhece o livre-arbítrio como um dos atributos mais importantes do ser humano em evolução. Apesar de também monoteísta e imortalista, o Islã, pelo exclusivismo religioso, que o levou à propagação de seus dogmas pela força, afasta-se do Espiritismo, que prega a fraternidade entre todos os homens e a tolerância de todas as formas e condições.

E como situar a Doutrina dos Espíritos em face do outrora Cristianismo, hoje Igreja Católica e o Protestantismo oficial? – As religiões organizadas, visando o poder temporal, apesar de se apoiarem nos testamentos sagrados dos hebreus e nos Evangelhos cristãos, usam de interpretações diferentes a benefício de seus próprios interesses, com pouquíssima exemplificação evangélica na vida prática, e no que diz respeito ao seu próximo. A Doutrina Espírita orienta os seres humanos para o conhecimento evangélico segundo o espírito e não segundo a letra, e para sua exemplificação, segue e recomenda a atividade de levar o Evangelho a toda humanidade. Assim, a Doutrina é a mais avançada e perfeito sistema de iniciação espiritual dos tempos modernos, clareando com seus ensinamentos os caminhos das pessoas, como jamais conseguiram outras doutrinas até hoje conhecidas.

Vimos, portanto, que a Doutrina dos Espíritos está no âmago de todas as doutrinas, conquanto não dependa nem descenda de nenhuma delas. É ela então uma doutrina à parte, original ou diferente? – Não. O Espiritismo é uma grande árvore de feição especial e também uma força nova, que veio cobrir todos os ramos da árvore antiga, tornando-a mais forte e mais perfeita. Trouxe conhecimentos que estavam revelados parcialmente em todas as demais doutrinas, completando-as, esclarecendo-as, e somente com o seu advento, os pontos obscuros puderam ser compreendidos, os erros corrigidos e as falsas interpretações substituídas por outras mais reais.

Desde o seu aparecimento, foram observadas as seguintes orientações: 1- Colocou as verdades essenciais ao alcance de toda a humanidade, sem distinção ou limitações de qualquer natureza; 2- Completou o quadro dos conhecimentos espirituais, compatíveis com o entendimento dos seres humanos desta época; 3- Eliminou a necessidade de iniciações secretas e sectárias, generalizando seus conhecimentos para toda a massa do povo; 4- Demonstrou que o progresso espiritual só pode ser realizado mediante o desenvolvimento dos sentimentos da inteligência, do bem e do amor; 5- Revelou que o Cristo é o medianeiro entre Deus e os seres humanos, e que seu Evangelho é a síntese da mais alta moral e norma mais elevada de realização espiritual; 6- Demonstrou que o conhecimento das coisas de Deus não é nem pode ser adquirido por métodos contemplativos nem isolado das coisas do mundo, mas ao contrário, no convívio de todos os seres, porque a existência é que fornece a experiência, sabedoria e elementos de aperfeiçoamento; 7- Libertou o ser humano da escravidão religiosa, oferecendo-lhe conhecimentos reais, concludentes, lógicos e completos, desenterrando o Evangelho da mistificadora capa das interpretações literais (letra morta), fazendo-o ressurgir no seu verdadeiro aspecto e significado; dando novo alento à alma humana, novas esperanças aos corações descrentes e novos rumos aos espíritos imersos em perturbações religiosas. 8- Trouxe a mensagem de renovação, e por isso é que ele se chama O Consolador, a Terceira Revelação, o Cristianismo Redivivo.

Os fundamentos da Doutrina Espírita, conforme o professor Carlos Imbassahy, são os seguintes: a- Não mais penas eternas, mas a vida progressiva, com desfalecimentos temporários, mas sem paradas definitivas, sem condenação irremissível. Não mais a pena como vingança do Criador à criatura, mas como um remédio para a cura, como um passo para o progresso; b- O ser humano não ressuscita para o Juízo Final, nem toma o mesmo corpo, porque isso é impossível, segundo a ciência, nem vai para o inferno. Nem ressurreição, nem Juízo Final e nem inferno, mas, a volta em novos corpos (reencarnação) apropriados à necessidade do Espírito, imprescindível à sua felicidade futura, porque a felicidade depende da purificação do Espírito; c- Deus não baixou à Terra. Deus é inacessível, incorpóreo, absoluto, Criador de todos os sistemas solares, do Universo, de todas as coisas e seres e não poderia vir a um dos mais obscuros e atrasados orbes que criou. Quem vem ao Mundo são os Seus missionários, e entre eles veio o Cristo, governador da Terra, que passou pelas contingências da existência terrena, procurando apontar o Caminho, trazer a Verdade e alimentar a Vida; d- Não serão escolhidos apenas alguns filhos, pois não há preferência na Paternidade Divina e não há vasos eternamente impuros; não há previamente escolhidos preparados para a gloria e outros para a perdição; o progresso, a evolução e a felicidade, são frutos do esforço próprio da cada um, na persistência do bem. Todos nós atingiremos a meta final da máxima ventura; é apenas uma questão de tempo e aperfeiçoamento; e- Não há diabos nem demônios com a finalidade de encaminhar os seres humanos ao reino de satã; o que há são espíritos inferiores, que nos prejudicam e nos fazem mal, porque damos acesso a eles por afinidade e por baixeza de sentimentos, do que se aproveitam de todas as formas que lhes são possíveis. Algumas vezes a perseguição que fazem às pessoas é um ato de vingança; são dívidas contraídas com eles e, sem o saberem nem o quererem, são instrumentos dos nossos resgates.

Podemos enfim, repetir as palavras de um cientista que disse: “Enquanto o nosso corpo se renova, peça por peça, pela perpétua substituição das partículas; enquanto ele um dia descamba para o túmulo, de onde não mais se ergue indo constituir novas formas de vida. Nosso Espírito, ser pessoal, guarda sempre a sua individualidade indestrutível, libertando-se, assume sua essência espiritual, não sujeita ao tempo e espaço, na sua grandeza e sua imortalidade”.



Senhor ajude-nos a escolher aquela que melhor nos conduza até Vós...



Bibliografia:
Livro “Religiões e Filosofias”
“Livro dos Espíritos”


Jc.
S.Luis, 12/11/2004

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