16- O Testemunho de Tomé. De todos os discípulos, era Tomé o que mais se preocupava com a influência do Senhor junto aos homens mais importantes e mais ricos. Não raro insistia para que Jesus atendesse às exigências dos fariseus de autoridade e riqueza. Naquele dia em Dalmanuta, quando o Mestre descansava, o discípulo surgiu reclamando-lhe a sua atenção: - Senhor, alguns homens de importância estão na localidade e me fizeram portador de um convite amável; eles vos esperam em casa do centurião Cornélio!... Jesus perguntou com serenidade: – Que desejam de mim? – Querem conhecer—vos, Mestre! – replicou o discípulo. Jesus redarguiu com firmeza: - Não é necessário que me vejam, mas que sintam a verdade que trago de Nosso Pai. Deixando transparecer o desgosto com a resposta Tomé insistiu: - Mestre atenda-os! Que será do Evangelho e de nós mesmos, sem o apoio dos influentes e poderosos? Acreditais na vitória sem o amparo dos que dominam o mundo? Jesus respondeu: - Tomé, julgas então que o Evangelho seja uma causa dos homens perecíveis? Quem será o mais poderoso: Deus, que é o Pai de sabedoria infinita, na sua glória, ou um césar romano, que terá de rolar do seu trono, para o pó da sepultura? Tomé voltou a insistir: - Mestre, eles só desejam um sinal de Deus nos céus. Respondeu-lhe Jesus: - Mas, se são incapazes de perceber a presença do Nosso Pai, como poderão reconhecer um simples sinal? Ante a firmeza da resposta, o apóstolo não mais insistiu, porém ainda interrogou: - Mestre, qual será a nossa senha? Como provar às criaturas que nosso esforço está com Deus? Respodeu-lhe Jesus: - Uma só palavra, que esclareça e console um coração atormentado.
Desde esse dia, Tomé não insistiu mais, porém não
escapava das indecisões em matéria de fé. Dentro em pouco, a onda das
perseguições venha desfazer a suave ventura. O Mestre fora preso, os discípulos
se afastaram apavorados, com exceção de João que permaneceu junto á mãe de
Jesus. Tomé chegou perto da cruz e se pôs a chorar, logo, porém, sentiu como se
o olhar do Mestre o buscasse, entre as pessoas e observou que Jesus o fitava e,
magnetizado, avançou, hesitante e ouviu Jesus dizer-lhe em voz quase
imperceptível: - Tomé o sinal do céu tem
que ser o completo sacrifício de nós mesmos!...
Tomé tinha muitas indecisões, e quando a notícia
fulgurante da ressurreição de Jesus chegou aos seus discípulos. Maria de
Magdala, Pedro e João e outros companheiros tinham visto o Senhor, tinham-lhe
escutado a palavra consoladora e divina. Incerto e vencido na sua fé, o
discípulo procurou os outros companheiros, ansiando pela aparição do Mestre.
Reunidos os discípulos, depois das preces habituais, Jesus penetrou na sala
humilde com sereno sorriso, desejando a paz e bom ânimo para todos, como nos
dias risonhos na Galileia. Tomé, sentindo grande emoção, ergueu os olhos, o
Senhor sabendo o seu pensamento mais oculto, aproximou-se do discípulo de fé
vacilante e o convidou para tocar-lhe as chagas. Então, tocado pela humildade
do Mestre redivivo, ele prosternou-se e chorou. Ele acabava de vencer uma
grande batalha...
17- Jesus na Samaria. Descendo Jesus, de Jerusalém para Cafarnaum,
seguido de alguns dos seus discípulos, alcançou a Samaria, quando o crepúsculo
já estava sombrio. Felipe, André e Tiago, estando com muita fome, deixaram o
Mestre a repousar e foram ao lugarejo mais próximo, em busca de alimento. O
Mestre, olhando em volta reconheceu que estava ao lado da fonte de Jacó. Nesse
instante se aproximou uma mulher e observou que o Mestre lhe ia ao encontro e
em seguida lhe pedia de beber. Surpreendida, ela interrogou: - Como sendo tu
judeu, me pedes um favor a mim, que sou samaritana? Jesus com o olhar
tranquilo, redarguiu: - Os judeus e os samaritanos terão, porventura,
necessidades diversas entre si? Vejo que não conheces os dons de Deus,
porquanto se houvesses guardado os mandamentos divinos, compreenderias que te
posso dar da água viva. – Que vem a ser essa água viva? – inquiriu á
samaritana. Acaso serias maior do que o nosso pai Jacó que nos deu este poço? –
Jesus lhe respondeu: - Mulher, água viva é aquela que sacia toda sede; vem do
amor de Deus e santifica as criaturas.
Em seguida, prosseguiu: - Este poço de Jacó secará um
dia. Não sentes a verdade de minhas palavras, ante a tua sede de todos os dias?
Entretanto, os que beberem da água viva ficam eternamente saciado. A mulher exclamou interessada: - Senhor , dá-me dessa água! Jesus disse-lhe: - Mas, ouve! E o Mestre passou a falar sobre fatos e
circunstâncias de coisas íntimas de sua vida particular, e dizendo-lhe que se
fazia necessário á sagrada emoção do amor divino para lhe iluminar a alma,
afastando-a de todas as necessidades penosas da existência material.
Observando que não havia segredos para Jesus, a
samaritana chorou e respondeu: - Senhor, agora vejo que és de fato um profeta
de Deus. Meu espírito está cheio de boa-vontade e, há muito penso purificar
minha vida e santificar os meus atos. Os meus familiares afirmam que devo
celebrar o culto ao Todo- Poderoso neste monte; os judeus dizem que nenhuma
cerimônia terá valor fora de Jerusalém. Agora que tenho a oportunidade de ouvir
tuas palavras, ensina-me o caminho. – O Mestre observou-a compadecido e
exclamou: - Tens razão. Em verdade,
afirmo-te que virá um tempo em que não se adorará a Deus nem neste monte nem em
Jerusalém, porque o Pai é Espírito e só em espírito deve ser adorado.
Suave silêncio se fez entre ambos e alguns instantes
depois, chegaram os discípulos acompanhados de muitos populares, admirando-se
todos de encontrarem o Mestre em companhia de uma mulher. Tiago e André haviam
trazido pão e algumas frutas e insistiam com Jesus para que descansasse e
comesse. O Mestre lhe disse: - Não te
preocupes André, não tenho fome; aliás, recebo um alimento que os meus
discípulos ainda não puderam conhecer. – Qual? – atalhou o discípulo, com
interesse. Jesus respondeu: - Meu alimento é fazer a vontade daquele Pai
misericordioso que a este mundo me enviou, a fim de ensinar a sua bondade e seu
amor. Meu sustento é realizar a sua obra. André retrucou: - É verdade, olhando
a multidão que os acompanhavam, não podemos perder esta oportunidade de
divulgação da Boa Nova.
Jesus
observou o entusiasmo do discípulo e acrescentou: - Não é isso o que me interessa; o êxito
mundano. O que necessitamos em todas as situações é entender o que o Pai deseja
de nós. Como todo o seu anelo é o trabalho, eu trabalho, sem me prender ao
anseio das vitórias imediatas. Acaso podemos admitir que já fomos
compreendidos? Calemo-nos por instantes, a fim de ouvir a opinião dessas
pessoas. Os comentários ouvidos foram os mais negativos. Jesus então lhe disse:
- Não vos admireis da lição deste dia.
18-
A Oração Dominical. Curada pelo
Mestre, a sogra de Simão Pedro ficara maravilhada com os poderes do Nazareno,
que falava em nome de Deus, com a sua fé profunda e ardente. Certo dia ela
consultou o genro sobre a possibilidade de pedirem a Jesus, favores
excepcionais para a família. O pescador examinou aquelas observações que lhe
abriam os olhos com referência ao futuro, e buscou uma oportunidade para falar
com o Mestre sobre o assunto. Chegada á ocasião, ele provocou muito de leve a
solução do problema, ao perguntar a Jesus: - Mestre, será que Deus nos ouve
todas as orações? Jesus respondeu: - Como não, Pedro? Não tenhas dúvidas que
todas as nossas orações são ouvidas! Pedro exclamou respeitoso: - No entanto,
se Deus ouve as súplicas de todos nós, por que tamanhas diferenças na sorte?
Por que sou obrigado a pescar enquanto Levi ganha bom salário no serviço dos
impostos? Como explicar que Joana de Cusa tenha servas quando minha mulher é
obrigada a fazer o serviço todo de casa?
Jesus
ouviu atentas as palavras e retrucou: - Pedro, precisamos não esquecer que o
mundo pertence a Deus e que todos nós somos seus servidores. Os trabalhos
variam, conforme a capacidade e o esforço de cada um. Hoje pescas, amanhã
poderá pregar a palavra divina do Evangelho. Todo trabalho honesto é de Deus.
Quem escreve com sabedoria os
pergaminhos não é maior do que aquele que lavra a terra. Um cultiva o
pensamento; o outro o trigal que o Pai protege e abençoa. Se todos os filhos de
Deus fossem cobradores de impostos, quem os pagaria? Já pensaste que tua mulher
cuida dos afazeres da casa, enquanto Joana educa as suas servas? A qual das
duas cabe responsabilidade maior; á tua mulher que cuida da casa ou à nossa
irmã que tem algumas filhas de Deus sob sua proteção? É necessário que
coloquemos o nosso coração a bem servi-lo, seja como rei ou como escravo, certo
de que o Pai nos conhece e nos conduz ao trabalho ou à posição que mereçamos.
Pedro
ouviu as explicações, confortado, e interrogou: - Mestre, como interpretar a
oração? Jesus respondeu: - Deve a oração constituir nosso recurso permanente de
comunhão ininterrupta com Deus. Nesse intercâmbio, as criaturas devem
apresentar ao Pai, em segredo, as suas íntimas aspirações, dúvidas e
esperanças. É necessário cultivar a oração, para que ela se torne um elemento
natural da vida, como a respiração. Entretanto, os homens não se lembram do
céu, senão nos dias de angústia e sofrimentos do coração e ficam esperando resultados.
Decorridos
alguns dias, Pedro lhe informou: -
Senhor, tenho procurado por todos os meios manter minha comunhão com Deus, mas
não tenho alcançado o objetivo de minhas súplicas. E o que tens pedido a Deus? – interrogou o
Mestre sem se perturbar. - Tenho implorado à sua bondade que remova do meu
caminho ou me dê á solução de certos problemas materiais. Jesus então
esclareceu com brandura: - Pedro, enquanto orares pedindo ao Pai a
satisfação dos teus desejos e caprichos, é possível que te retires da
oração inquieto e sem atendimento.
Mas, quando solicitares as bênçãos de Deus, a fim de compreenderes a sua
vontade justa e sábia, a teu respeito, receberás pela oração os benefícios
divinos de consolo e da paz.
O
apóstolo demonstrou ter compreendido, e Levi filho de Alfeu reconhecendo que o
assunto interessava a todos, adiantou-se para Jesus, pedindo: - Senhor, ensina-nos a orar!... Dispondo-os então em
círculo, o Mestre elevando o seu espírito ao Pai Celestial, pronunciou, pela
primeira vez, a oração que legaria à Humanidade:
Pai nosso que estais em todo o infinito e
também no nosso íntimo,
Santificado seja o vosso santo nome;
Venha a nós o vosso reino de paz e amor,
Seja feita a vossa vontade, assim na
Terra como em todo o Universo.
O pão nosso de cada dia, nos dai hoje,
Amanhã e sempre que merecermos;
Perdoa bom Pai, as nossas dívidas, nos
possibilitando resgatá-las;
E nos dê forças para que algum dia
possamos
Também perdoar aos nossos devedores;
Não nos deixeis cair nas tentações das
nossas inferioridades;
E livra-nos, Senhor, do mal que ainda
reside em nós mesmos;
Pois, sois todo poder, bondade, justiça,
amor e misericórdia...
(Peço desculpas por ter feito pequenas
alterações, nesta oração. Jc.)
Levi tomou nota das sagradas
palavras, para que a oração do Senhor fosse guardada em seus corações humildes
e simples. Desde aquele dia memorável, a oração singela de Jesus se espalhou
como um perfume dos céus pelo mundo inteiro...
19- Comunhão com Deus. As elucidações do Mestre a respeito da oração
encontraram nos discípulos certa perplexidade, em virtude das ideias novas que
continham, acerca da concepção de Deus, agora, como Pai amoroso e
misericordioso. Aquela necessidade de comunhão com o seu amor, que Jesus não se
cansava de salientar, lhes aparecia como um problema obscuro que o homem do
mundo não conseguiria realizar.
João, certo dia, procurou o Senhor,
para ouvi-lo sobre as dúvidas que lhe atormentavam o coração: - Senhor tenho
tentado compreender os meus deveres com respeito à oração, mas sinto que minha
alma está tomada de hesitações. Anseio pela comunhão perene com o Pai, todavia,
as ideias antagônicas se opõem aos meus desejos. Conversando com um amigo que
se instrui com os essênios, me disse ele que toda edificação espiritual deve
ser feita num plano oculto. Devo ocultar o que tenho de mais santo no coração?
O Mestre, respondeu com brandura: - João todas
as dúvidas que te assaltam é pelo motivo de não haveres compreendido que cada
criatura tem um santuário no próprio espírito, onde a sabedoria e o amor de
Deus se manifestam, através da consciência. Os essênios levam muito a sério a
teoria do oculto, entretanto, o bem e a verdade devem ser patrimônio de toda a
Humanidade. Eu tenho afirmado que não poderei ensinar tudo o que gostaria aos
meus discípulos, tendo que reservar outras lições do Evangelho para o futuro,
quando Deus permitir que o Consolador se faça ouvir entre os homens. A comunhão
da criatura com o Criador é, um imperativo da existência, e a oração é o
luminoso caminho entre o coração humano e o Pai de infinita bondade. No que se
refere à comunhão de nossa alma com Deus, não me esqueci de recomendar que cada
alma ore em segredo no silêncio do seu íntimo, nas suas esperanças e aspirações
mais sagradas.
João pediu ainda: - Mestre me
ensine como deverei entender que Deus está igualmente entre nós. Jesus deixando
perceber que não poderia ser mais explicito com palavras, disse apenas: - Eu te
prometo. No dia seguinte, Jesus e João iam a pé com destino a Jericó, e encontraram um rude lavrador cavando um poço
à beira do caminho. Diante daquele quadro, Jesus parou com o discípulo a
pretexto de breve descanso e perguntou ao trabalhador: - Amigo, que fazes? – Busco a água que nos
falta – respondeu o lavrador.- A chuva é
escassa nestas paragens? - tornou a falar Jesus. – Sim, ultimamente a chuva vem se tornando
uma graça de Deus. O homem do campo
continuou no seu trabalho exaustivo, e apontando para ele, Jesus disse então a
João: - Este quadro da Natureza é
bastante singelo; porém é na simplicidade que encontramos os símbolos mais
puros. Esta paisagem deserta de Jericó
pode representar a alma humana, vazia, sem sentimentos santificadores. Este
trabalhador simboliza o cristão ativo, cavando o caminho árido, muitas vezes
com sacrifício, suor e lágrimas, para encontrar a luz divina em seu coração, e
a água é o símbolo mais perfeito da essência de Deus, que tanto está nos céus
como na Terra. O discípulo contemplou o poço onde a água clara começava a
surgir, após o esforço humilde do trabalhador que a procurava desde muitos
dias, e teve ele a nítida compreensão do que constituía a necessária comunhão
com Deus. João sentiu que finalmente compreendera o ensinamento...
20-
Maria de Magdala. Maria
ouvira as pregações de Jesus sobre o Evangelho, próximo da vila principesca
onde vivia nos prazeres, em companhia de patrícios romanos, e tornara-se de
admiração profunda pelo Mestre. Que novo amor era aquele apregoado aos
pescadores simples por lábios tão divinos? Até então vivia embriagando-se com
as condenáveis alegrias. No entanto, seu coração estava em desalento. Sua
beleza lhe escravizara os mais ardentes admiradores, mas seu espírito tinha
fome de amor. O profeta nazareno havia plantado em sua alma novos pensamentos.
Depois que lhe ouvira a palavra, observou que as facilidades que a vida lhe
oferecia, agora lhe trazia um tédio ao espírito sensível. Maria chorou, embora
não compreendesse porquê. O convite amoroso que Jesus fazia aos homens de uma
nova vida parecia lhe ressoar no íntimo.
Depois de uma noite de grandes
meditações, resolveu procurar o profeta, após muitas hesitações. Envolvida por
esses pensamentos, Maria de Magdala penetrou na humilde casa de Simão Pedro,
onde Jesus parecia esperá-la, tal a bondade com que a recebeu num grande
sorriso. Vencendo as mais fortes impressões, e feitas às primeiras
saudações, ela falou com a voz embargada
de emoção: - Senhor, ouvi a vossa palavra consoladora e venho até vosso
encontro!... Tendes o poder do céu e podeis adivinhar como tenho vivido! Sou
uma filha do pecado; todos me condenam. Entretanto, Mestre, observe como tenho
sede do verdadeiro amor! Minha
existência com todos os prazeres tem sido estéril e amargurada... Ouvi o vosso
amoroso convite ao Evangelho! Desejava ser um das vossas ovelhas; mas será que
Deus me aceitaria?
As primeiras lágrimas lhe brotavam
dos olhos, enquanto Jesus a contemplava, com bondade infinita, e sondando o seu
pensamento, respondeu bondoso: - Maria, levanta os olhos para o céu e
regozija-te, porque escutaste a Boa Nova do Reino e Deus te abençoa! Acaso,
poderias pensar que alguém no mundo estivesse condenado ao pecado eterno? Onde,
então, o amor de Nosso Pai? Nunca vista a primavera dar flores sobre uma casa
em ruinas? As ruinas são as criaturas humanas,
e as flores são as esperanças em Deus. Sente hoje esse novo Sol a
iluminar-te o destino! Agora caminhas sob a sua luz, porque o amor cobre a
multidão de pecados.
Maria escutava o Mestre,
assimilando as suas palavras. Homem algum havia falado assim à sua alma.
Empolgada e ouvindo as referências de Jesus ao amor, ela acrescentou: -
Senhor, tenho amado e tenho sede de
amor! Redarguiu Jesus: - Sim, tua sede é real. O mundo viciou todas as fontes
de redenção. O amor sincero não exige
satisfações passageiras que se extinguem no mundo; só o amor que renuncia sabe
caminhar para a vida suprema e traz a paz.
Maria que o escuta, interrogou ainda: -
Só o amor pelo sacrifício sacia a sede do coração? Jesus afirmou: - Na
tua condição de mulher, já pensaste no que seria o mundo sem as mães extremadas
no silêncio e no sacrifício? Maria de
Magdala ouvindo aquelas palavras começou
a chorar e exclamou: - Desgraçada de mim, Senhor, que não poderei ser
mãe! O Mestre acrescentou: - E qual das mães será maior aos olhos de Deus? A
que se devotou aos filhos de sua carne, ou a que se consagrou, pelo espírito,
aos filhos das outras mães?
Aquela interrogação despertou-a
para meditações profundas. Maria sentiu uma energia interior diferente, que até
então desconhecia. A palavra do Mestre convidava-a a ser mãe de seus irmãos em
humanidade, lhe fez experimentar
felicidade, e com os olhos em lágrimas, ainda murmurou comovidamente: - Senhor,
doravante renunciarei a todos os prazeres do mundo, para adquirir o amor
celestial que me ensinastes!... Maria receosa de um dia perder a convivência
com o Mestre, ainda perguntou: - Senhor, quando partires deste mundo, como
ficarei? Jesus compreendeu o motivo e o alcance de sua pergunta e respondeu: -
Certamente que partirei, mas estaremos eternamente reunidos em espírito. O
Mestre observando que Maria se preparava para regressar, lhe sorriu e disse: -
Vai, Maria! Sacrifica-te e ama sempre. Longo é o caminho, difícil á jornada,
estreita a porta; mas a fé remove montanhas... Nada temas; é preciso crer
somente!...
A mensagem da ressurreição
espalhara uma alegria infinita. Mais tarde, depois de sua gloriosa visão do
Mestre ressuscitado, Maria voltou de Jerusalém para a Galileia, seguindo os
passos dos companheiros. Os discípulos do Senhor abandonaram a região, a
serviço da Boa Nova, e aos dois últimos a partir, Maria temendo a solidão da
saudade, rogou a eles que a levassem, e ambos se negaram a atender seu pedido,
por temerem o seu passado de pecadora. Maria compreendeu e lembrando-se do
Mestre, resignou-se. Sem recursos, trabalhou em Magdala e outros lugares. Às
vezes chorava de saudades, recordando o Mestre amado. Certo dia um grupo de
leprosos veio a Dalmanuta, infelizes e cansados, perguntavam por Jesus e todas
as portas se lhes fechavam. Maria foi ter com eles e, sentindo-se isolada e com
direito de usar sua liberdade, reuniu-os sob as árvores da praia e lhes
transmitiu as palavras de Jesus, enchendo-lhes os corações das claridades do
Evangelho. As autoridades locais ordenaram a expulsão imediata dos enfermos.
Maria percebeu a alegria no semblante dos infortunados, em face das suas
revelações a respeito das promessas do Senhor, e então se pôs em marcha para
Jerusalém, na companhia deles. Chegados à cidade, foram conduzidos ao vale dos
leprosos que ficava distante, onde Maria de Magdala penetrou com convicção e
espontaneidade de coração.
Dali em diante, todas as tardes,
ela reunia o grupo de seus novos amigos e lhes falava do Evangelho. Maria lhes
explicava que Jesus havia exemplificado o bem até à morte, ensinando que todos
deviam ter bom ânimo. Os agonizantes arrastavam-se até ela e lhe
beijavam a túnica, e Maria
lembrando-se de Jesus tomava-os em seus braços fraternos e carinhosos.
Em breve tempo, sua epiderme apresentava igualmente manchas. Ela compreendeu a
sua nova situação e lembrou-se da recomendação do Mestre, de que somente sabiam
viver os que sabiam imolar-se. Alguns anos depois, sentindo-se no término da
sua jornada terrena, Maria de Magdala desejou rever antigas afeições que se
encontravam em Éfeso. Lá estavam Maria, mãe de Jesus, João e outros
companheiros cristãos. Adivinhando que o fim de sua existência estava próximo,
deliberou por em prática seu desejo. Nas despedidas, seus companheiros
suplicavam-lhe os últimos conselhos, e ela apenas disse: - Jesus deseja que nos amemos uns aos outros
e na lealdade a Deus!...
Realizando sua aspiração, Maria de
Magdala achou-se às portas da cidade; mas no justo momento em que avistou o
casario de Éfeso, seu corpo alquebrado negou-se a caminhar. Uma família de
cristãos do subúrbio recolheu-a a uma tenda humilde. Por alguns dias debateu-se
entre a vida e a morte. Uma noite sua alma estava iluminada, seu peito não
batia mais e seus olhos se achavam selados. Ela via o lago e seus companheiros.
Foi quando ela viu Jesus aproximar-se, mais belo que nunca. O Mestre
estendeu-lhe as mãos e ela se prosternou, exclamando: - Senhor!... Jesus
recolheu-a com carinho nos braços e murmurou:
- Maria, já passaste a por estreita! Amaste muito! Vem comigo!...
21- A Lição da Vigilância. Aproximando-se o término de sua jornada
terrena, Jesus reuniu os doze discípulos com o fim de lhes consolidar nos
corações os santificados princípios da doutrina redentora. Jesus fitando os
companheiros e, ao cabo de longa conversação,
perguntou com afetuoso interesse:
- E que dizem os homens a meu respeito?
Terão compreendido a substância de minhas pregações?! João respondeu que os amigos o tinham na
conta de ser Elias, que regressara, depois de elevado ao céu; Simão Zelote,
relatou que algumas pessoas acreditavam
ser o Mestre o mesmo João Batista ressuscitado; Tiago, contou que ouvira dos
judeus na Sinagoga que diziam ser o Senhor, o profeta Jeremias. Jesus lhes
escutou as observações, e disse: - Os homens se dividem em suas opiniões; mas vós que tendes estado comigo, quem dizeis
que eu sou? – Simão Pedro, impulsionado por uma força superior, exclamou:
- Tu és o Cristo, o Salvador, o Filho de
Deus Vivo. –
Bem-aventurado sejas tu, Simão,
porque não foi á carne que te revelou esta verdade, mas meu Pai que está nos
céus. Bendito seja, pois começas a edificar no espírito a fonte da fé viva e
sobre essa fé edificarei a minha doutrina de paz e esperança – disse-lhe Jesus. Enquanto Simão sorria, confortado com o que
considerava um triunfo, o Mestre prosseguiu, esclarecendo quanto à revelação
divina assentaria suas bases no futuro.
Em seguida, preparando os
companheiros para os acontecimentos próximos, o Mestre continuou, dizendo: - Amados, importa que eu vos esclareça o
coração, a fim de que as horas tormentosas que se aproximam não cheguem a vos
confundir a razão. Eu sou aquele Pastor que vem a Israel para reunir as ovelhas
do imenso rebanho. E qual o pastor que
não dá testemunho de sua tarefa ao dono do redil? Faz-se mister o cumprimento
da palavra dos profetas que me precederam no caminho!... Está escrito que eu
padeça e não fugirei ao testemunho. Havendo pequena pausa, Filipe interrogou
emocionado: - Mestre, como pode ser
isso, se sois o modelo supremo da bondade? O sofrimento será então o prêmio às
vossas obras de amor e sacrifício? Jesus retrucou: - Vim ao mundo para o bom trabalho e não
posso ter outra vontade que não seja os desígnios dAquele que me enviou.
Os discípulos ficaram surpresos e o
Mestre continuou: - Não espereis por
triunfos, que não os teremos agora sobre a Terra. Nosso reino ainda não é nem
pode ser deste mundo... Por essa razão, em poucos dias, entrarei em Jerusalém
para sofrer os mais penosos sofrimentos. Os sacerdotes me coroarão a fronte;
serei arrastado como um simples ladrão! Cuspirão nas minhas faces, dar-me-ão
fel e vinagre, quando pedir água, para que se cumpram as Escrituras. O Mestre
calou-se, e a pequena assembleia deixava transparecer sua surpresa. Foi aí que
Simão Pedro, modificando a atitude mental do primeiro momento e deixando-se
conduzir nas concepções falíveis do seu sentimento de homem, aproximou-se do
Mestre e lhe falou: - Mestre convém não exagerardes as vossas palavras. Onde
estaria Deus, então, com a justiça dos céus? Os fatos que nos deixais entrever
viriam demonstrar que Deus não é tão justo!...
– Pedro retira essas palavras! Queres também tentar-me, como os
adversários do Evangelho? Aparta-te de mim, pois neste instante tu falas pelo
espírito do mal!... – exclamou Jesus com enérgica serenidade. O Mestre, ao
sair, disse aos companheiros: - Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si
mesmo, tome sua cruz e siga os meus passos.
No dia seguinte, eles se punham a
caminho e, os discípulos vivamente impressionados com as revelações da véspera.
Simão seguia humilde e cabisbaixo. Não compreendia porque motivo fora Jesus tão
severo para com ele. Aproximou-se novamente de Jesus e interrogou-o: - Mestre,
por que razão mandou retirar as palavras em que vos demonstrei o meu zelo de
discípulo sincero? Alguns minutos antes, havíeis afirmado que eu trazia a inspiração de Deus, e logo
após, me designais como intérprete dos inimigos da luz?- Simão, ainda não
aprendeu toda a necessidade da vigilância. Basta um ato de amor para que te
eleves ao céu; mas na jornada terrena, também basta, às vezes, uma palavra
fútil ou menos digna, para que a alma do homem seja conduzida ao desespero das
trevas por sua própria imprevidência. O discípulo do Evangelho terá sempre
imenso trabalho, porque pelo Reino de Deus, é preciso resistir às tentações dos
entes queridos, que, embora ocupando nosso coração, ainda não entendem as
conquistas santificadas do céu. . .
22- A Mulher e a Ressurreição. A barca de Simão conduzindo o Senhor atingiu a
praia. O velho pescador largando os remos deixava transparecer as emoções
contraditórias de sua alma, e Jesus que o observava lhe perguntou: - Que tens
tu, Simão? Surpreendido com a palavra do Senhor, ele disse: - Mestre, a lei que
nos rege manda lapidar a mulher que perverteu a sua existência. Jesus conhecendo seus escrúpulos lhe
respondeu com brandura: - Quase sempre, Simão, não é a mulher que se perverte;
é o homem que lhe destrói a vida. O apóstolo retrucou: - Observando os nossos
costumes, Senhor, é que temo por vós, acolhendo tantas meretrizes e mulheres de
má vida, nas pregações do Tiberíades!...
Jesus respondeu cheio de bondade: -
Nada temas por mim, Simão, porque eu venho de meu Pai e não tenho outra
vontade a não ser a de cumprir os seus desígnios. Ouve ainda, Pedro! A lei
antiga manda que se apedreje a mulher pervertida, mas também determina que
amemos os nossos semelhantes, como a nós mesmos.
Podemos culpar a fonte, quando um
animal polui as águas? De acordo com a lei, devemos amar a uma e a outro, seja
pela sua ignorância seja pelos seus sofrimentos; pois o homem é sempre fraco e
a mulher sempre sofredora; porém, uma e outro são iguais perante Deus, e as
tarefas de ambos se completam, para que haja o mais santo respeito mútuo.
Todavia, precisamos considerar que a mulher recebeu a sagrada missão da vida e
tendo avançado mais que o homem na estrada do sentimento, está por isso mais
perto de Deus. Na historia, ficam somente os nomes dos políticos, dos generais,
dos filósofos, todos filhos da heroína que passa, no silêncio, sempre
desconhecida. Por isso, as mulheres mais infelizes ainda possuem no coração o gérmen divino,
para a redenção da humanidade. – Tende razão, Senhor! – disse Simão.
Dois dias se passaram após o drama
do Calvário e o raciocínio frágil dos discípulos não entendia a finalidade
daquele sacrifício. Não era Jesus o filho de Deus que consolava os tristes,
sarara enfermos de doenças incuráveis, ressuscitara mortos? Por que se
humilhara assim, submetendo-se ao ridículo e a zombaria? Enquanto os
comentários prosseguiam, a lembrança do Mestre ficava relegada ao plano
inferior. Desejava ele fazer ouvida a
sua palavra no coração dos atormentados, mas, só a fé ardente e o amor
conseguem vencer os abismos de sombra que separam a Terra e o Céu, e todos os
discípulos estavam abatidos pelas ideias negativas.
Foi então que no terceiro dia,
a ex-pecadora Maria de Magdala se
aproximou do sepulcro com perfumes e flores.
No seu coração estava aquela fé radiosa e pura que o Senhor lhe ensinara
e a dedicação divina que lhe fizera renunciar a todas as paixões do mundo.
Maria ia ao túmulo com amor e só o amor pode realizar os milagres supremos.
Decepcionada por não encontrar o corpo, já se retirava, quando uma voz
carinhosa e meiga falou aos seus ouvidos: -
Maria!... Ela em instantes reconhecia a voz inesquecível do Mestre e se
virando contemplou o seu sorriso. Quis atirar-se aos seus pés, beijar-lhe as
mãos num suave ato de afeto, porém com um gesto de ternura, Jesus
esclareceu-lhe, dizendo: - Não me toques, pois ainda não fui ao meu Pai que
está nos céus!... Instintivamente ela se
ajoelhou e receber o olhar do Mestre, num
transbordamento de lágrimas e ventura. Era a promessa de Jesus que se
cumpria. A realidade da ressurreição era a essência Divina que daria a
eternidade ao Cristianismo. . .
23-
O Servo Bom. A condenação
das riquezas se firmara no espírito dos discípulos, a tal ponto que, por várias
vezes, Jesus foi obrigado a intervir de maneira a pôr termo a contendas
injustificáveis. De vez em quando Tadeu queria impor aos assistentes das
pregações, a entrega de todos os bens aos necessitados; Filipe afiançava que
ninguém deveria possuir mais de uma camisa, constituindo uma obrigação dividir com os infortunados,
privando-se cada qual do indispensável à
existência. – E quando os pobres nos surgem somente nas aparências? Conheço
homens abastados que choram na coletoria, como miseráveis, somente para não
pagarem os impostos. Sei de outros que estendem as mãos à caridade pública e
são proprietários de terras e outros bens – dizia Levi. Simão Pedro redarguiu:
- Tudo isso é verdade, porém Deus nos inspirará sempre nos momentos, para que
não abandonemos os que realmente estão necessitados. Filipe replicava com
ênfase: - É mais fácil um camelo( corda
feita do pelo) passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino
dos Céus.
Jesus não participava dessas
discussões e aguardava uma oportunidade para um esclarecimento geral. Chegara o
dia em que o Mestre sairia da Galileia para a última viagem a Jerusalém. A sua
ida a Jericó era aguardada com curiosidade e grande multidão se apinhava nas
estradas. Um publicano rico, de nome Zaqueu, conhecia o Mestre de nome e deseja
conhecê-lo. Zaqueu era de pequena estatura e buscando satisfazer o seu desejo,
procurou acomodar-se sobre uma árvore, levado pela ansiosa expectativa com que
esperava a passagem de Jesus. Com o coração cheio de sensações viu o Mestre se
aproximar e lhe admirando o porte nobre e sentindo-se magnetizado pela sua
vibração, viu o Mestre parar e lhe dizer:
- Zaqueu, desce dessa árvore, porque hoje necessito de tua hospitalidade
e de tua companhia. O publicano de Jericó desceu da árvore, possuído de
júbilo. Abraçou-se a Jesus com prazer, e
ordenou todas as providências para que o querido hóspede e sua comitiva fossem
recebidos em sua casa com a maior alegria. O Mestre escutava as observações do
publicano, com grande escândalo dos seus discípulos. – Não se tratava de um
rico que devia ser condenado? - Inquiria
Filipe a si próprio. Simão Pedro refletia:
- Como justificar tudo isso, se
Zaqueu era homem rico e pecador perante
a lei?
Dentro de instantes, toda a
comitiva penetrava na residência do publicano, que não ocultava o seu
contentamento. Jesus lhe conquistara as atenções tocando-lhe as fibras mais
íntimas do Espírito, com a sua presença. Tratava-se de um hóspede bem-amado que
ficaria eternamente em seu coração. Aproximava-se o crepúsculo, quando Zaqueu
mandou oferecer uma leve refeição a todo o povo, em sinal de alegria, e
sentou-se com Jesus e os discípulos numa varanda a conversar. O assunto era a
nova doutrina e, sabendo que o Mestre não perdia o ensejo de condenar as
riquezas criminosas no mundo, o publicano esclareceu com toda a sinceridade de
sua alma: - Senhor, é verdade que tenho sido observado como um homem de vida
reprovável; mas, desde muitos anos, venho procurando empregar o dinheiro de
modo que represente benefício para todos os que me rodeiam.
Observando que aqui em Jericó havia
muitos pais de família sem trabalho, organizei múltiplos serviços de criação de
animais e de cultivo permanente das terras. Até de Jerusalém já vieram famílias
trabalharem aqui. - Abençoado seja o teu esforço – replicou Jesus. Zaqueu ficou
estimulado e continuou: - Os servos de
minha casa nunca me encontraram sem a sincera disposição de servi-los. Exclamou
Jesus: - Regozijo-me contigo, porque todos nós somos servos de nosso Pai. O
publicano, que tantas vezes fora injustamente acusado, sentiu grande
satisfação. Extasiado, levantou-se e, estendendo as mãos a Jesus, exclamou
alegremente: - Senhor, Senhor, tão profunda é a minha alegria, que repartirei
hoje, com todos os necessitados, a metade de meus bens e, se já prejudiquei
alguém, indenizá-lo-ei quadruplicadamente!...
- Jesus o abraçou com um sorriso e respondeu: - Bem-aventurado és tu,
Zaqueu, que agora contemplas em tua casa a verdadeira salvação.
Alguns dos discípulos,
principalmente Filipe e Simão, não conseguiam ocultar suas deduções
desagradáveis. Aferrados às leis judaicas e no sentido literal das lições do
Mestre, estranhavam aquela afabilidade de Jesus aprovando Zaqueu, um rico do
mundo, publicano e pecador. Tendo o dono da casa se ausentado para ir buscar os
filhos para conhecerem o Mestre, Pedro e Filipe começaram as perguntas: Por que
tamanha aprovação a um rico
mesquinho? As riquezas não eram
condenadas pelo Evangelho? Por que hospedarem-se numa vivenda suntuosa e não
numa casa humilde? Poderia alguém servir a Deus e ao mundo do pecado? O Mestre
deixou que cessassem as interrogações e esclareceu: - Amigos, acreditais, porventura, que o
Evangelho tenha vindo ao mundo para transformar todos os homens em miseráveis
mendigos? Qual a esmola maior: a que socorre as necessidades de um dia ou a que
adota providências para toda a vida? No mundo vivem os que entesouram na Terra
e os que entesouram no Céu. Os primeiros escondem no cofre da ambição e do
egoísmo e, algumas vezes, atiram moedas aos famintos para livrar-se de sua
presença; os segundos ligam suas
existências a muitas vidas, fazendo dos seus servos e dos auxiliares a
continuação de sua própria família. Estes últimos empregando os depósitos de
Deus são seus mordomos fiéis no mundo. Qual será o mais infeliz: o mendigo sem
responsabilidade, a não ser sua própria manutenção, ou um pai com os filhos a lhe pedirem o pão? Ditosos, os
que repartirem os bens com os pobres, e
agradecidos a Deus com aos bens que lhes foram confiados.
Voltando, Zaqueu mandou servir uma
grande mesa ao Senhor e seus discípulos, e então o publicano apresentou seus
filhos a Jesus e mandou que seus servos festejassem aquela noite memorável. Foi
então que Jesus contou a famosa “parábola dos talentos”, e seus lábios
disseram as palavras: - Bem-aventurado sejas tu,
Zaqueu, servo bom e fiel!. . .
24-
A Ilusão do Discípulo.
Jesus havia chegado a Jerusalém sob uma chuva de flores. De tarde, após
a consagração popular, Judas e Tiago caminhavam pela estrada que conduzia a
Betânia. Judas deixava transparecer no semblante, íntima inquietação. – Tiago,
não achas que o Mestre é demasiado simples e bom para quebrar o jugo tirânico
que pesa sobre Israel? Tiago respondeu: - Poderias admitir no Mestre as
disposições destruidoras de um guerreiro? Replicou Judas: - Não tanto assim, mas tenho a impressão de
que o Mestre não considera as
oportunidades. Ainda hoje, os doutores da lei me fizeram sentir a inutilidade
das pregações evangélicas para as pessoas mais ignorantes e desclassificadas.
As necessidades do nosso povo exigem um condutor enérgico. Tiago retrucou: - Israel sempre teve seus orientadores
revolucionários; o Mestre, porém,
vem efetuar uma
renovação, edificando o reino
de Deus, no coração das pessoas!
Judas ainda retrucou: - Mas, como conseguir renovações sem o apoio
dos homens poderosos? Tiago respondeu: - E quem haverá mais poderoso do que
Deus, de quem o Mestre é o enviado?
Jesus já nos esclareceu que o seu reino não é deste mundo e nos disse
que o maior na comunidade será sempre aquele que se fizer o menor de todos.
Judas respondeu: - Não podemos considerar
esses excessos de teoria do Mestre. Hoje mesmo vou estar com influentes na
política de Jerusalém e vou fazer acordos com eles para imprimir novo movimento
às ideias do Mestre. Tiago ainda lhe
disse: - Judas! Judas!... Vê lá o que vais fazer! Recorrer
aos poderes transitórios do mundo, sem um motivo que justifique esse recurso,
não será desrespeito à autoridade de Jesus? Além de tudo, não podemos ser mais
sábios, nem mais amorosos do que o Mestre e ele sabe o melhor caminho para a
conversão dos homens!... Judas
silenciou, aflito.
Judas recordou, depois, suas
primeiras conversações com as autoridades do Sinédrio, e passou a noite
meditando na execução de seus sombrios desígnios. O Mestre, a seu ver, era
muito humilde e generoso para vencer sozinho, por entre a maldade e a
violência. A madrugada o encontrou decidido na embriaguez de seus sonhos
ilusórios, e, ao amanhecer, demandou o centro da cidade e foi recebido pelo
Sinédrio, onde lhe foram hipotecadas relevantes promessas. Apesar da sua mesquinha gratificação e desvairado no
seu espírito ambicioso, Judas esperava ansiosamente o instante de triunfo para
dar ao Mestre a alegria da vitória cristã, através das manobras políticas do
mundo.
Depois de algum tempo, seu Mestre
foi preso, humilhado escarnecido e conduzido à cruz da ignominia, debaixo de
vilipêndios e flagelações. Observando os acontecimentos que contrariavam os
seus propósitos, ele se dirigiu a Caifás, pedindo o cumprimento de suas
promessas. Os sacerdotes ouvindo-lhe as palavras sorriam com sarcasmo. Judas,
com dor na consciência, ainda peregrinou pela cidade, acalentando o propósito
de desertar do mundo, numa traição aos compromissos mais sagrados de sua vida.
De longe Judas contemplou as cenas humilhantes do Calvário, enquanto relâmpagos
terríveis resgavam o céu, Judas ouvia em sua consciência, o Mestre dizer: - Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida.
Ninguém pode ir ao Pai, senão por mim!...
25- A Última Ceia. Reunidos os discípulos em companhia de Jesus,
no primeiro dia das festas da Páscoa, o Mestre partiu o pão com a costumeira
ternura. Os companheiros comentavam com simplicidade e alegria as manifestações
do povo, enquanto o Mestre meditava silencioso. Em dado momento, tendo-se feito
longo silêncio, o Mestre acentuou com firmeza impressionante: - Amados, é
chegada a hora em que se cumprirá a profecia da Escritura. Humilhado e ferido
terei de ensinar em Jerusalém a necessidade do sacrifício próprio, para não
triunfar apenas uma espécie de vitória passageira quanto ás edificações do egoísmo
e do orgulho humanos.
Os homens têm aplaudido, em todos
os tempos, os exércitos que são glorificados pelos despojos sangrentos e os
grandes que dominaram à força as multidões; entretanto eu vim de meu Pai para
ensinar como triunfar os que sofrem no mundo, cumprindo um sagrado dever de
amor, como mensageiro de um mundo
melhor, onde reinam o bem e a verdade. Minha vitória é a dos que sabem ser
derrotados entre os homens, para triunfarem com Deus, na divina construção se
suas obras. Ante, aquelas palavras firmes do Mestre, os discípulos se
entreolharam, ansiosos. O Mestre então continuou: - Não
vos perturbeis com as minhas palavras, porque, em verdade, um de vós outros me
há de trair!... Todavia, minha alma está pronta para a execução dos desígnios
de meu Pai.
A pequena assembleia fez-se lívida,
com exceção de Judas, que entabulara negociações particulares com os doutores
do Templo, faltando apenas o ato do beijo. Grande sensação de mal-estar se
estabelecera entre todos. Somente Judas fazia o possível para dissimular,
quando os companheiros se dirigiram ao Mestre perguntando: - Quem será o
traidor? – Serei eu? – indagou André. Tiago objetou: - Mas afinal, onde está
Deus que não conjura semelhante perigo? Jesus que se mantivera em silêncio,
ante as palavras de Tiago, advertiu: -
Faze calar a voz de tua pouca
confiança na sabedoria de Deus
que rege os destinos. Não importa onde e como seja o testemunho de nossa fé; o
essencial é revelarmos a nossa união com Deus. A esse tempo, Jesus se calou e
João interveio, perguntando: - Senhor,
por que motivo será um dos discípulos o
traidor de vossa causa? - Ouve João: - Os desígnios de Deus se são insondáveis,
também são invariavelmente justos e sábios.
Os que vierem depois de nós, no
divino serviço do Evangelho, compreenderão que para atingirem a porta estreita
da renúncia redentora, hão de encontrar, muitas vezes, o abandono, a ingratidão
e a incompreensão dos seres mais queridos. Isso mostrará a necessidade de cada
um firmar-se no caminho para Deus, por mais espinhoso e sombrio que ele seja...
As sensações de estranheza perduraram na assembleia. Jesus, então, oferecendo
um pedaço de pão a cada discípulo, exclamou:
- Tomai e comei! Este é o meu corpo. Em seguida, servindo a todos o
vinho, acrescentou: - Bebei! Porque este
é o meu sangue, dentro do Novo Testamento, a confirmar as verdades de Deus.
Simão Pedro, sem entender o
simbolismo, interrogou: - Mestre, que
vem a ser isso? Jesus respondeu: - Amados, está próximo o último momento de
trabalho em conjunto e quero reiterar-vos as minhas recomendações de amor,
feitas no primeiro dia do apostolado. Este pão significa o do banquete do
Evangelho; este vinho é o sinal do espírito renovador dos meus ensinamentos.
Todos os que partilharem conosco, através dos tempos, desse pão eterno e desse
vinho sagrado da alma, terão o espírito fecundado pela luz gloriosa do Reino de
Deus, que representa o objetivo santo dos nossos destinos. Imenso é o trabalho
da redenção, mesmo porque tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; mas o
Reino nos espera com sua eternidade luminosa!... Os discípulos tocados pelas
suas exortações e maravilhados com as promessas daquele reinado venturoso, que
ainda não podiam compreender, eles passaram a discutir as suas aspirações e
conquistas do futuro.
Enquanto Jesus se entretinha com
João, em observações afetuosas, Tiago se preocupava com as realizações dos
tempos futuros e qual seria o maior de todos os discípulos; Filipe dizia que
após o triunfo, deveriam entrar em Nazaré para revelar aos doutores e aos
ricos, a sua superioridade espiritual; Levi dizia que, verificada a vitória,
deveriam marchar para o Templo, onde exibiriam seus poderes supremos; Tadeu
dizia que o seu intento era dominar os mais fortes e impenitentes do mundo,
para que aceitassem, de qualquer modo, o Evangelho do Mestre. Nesse interim,
Jesus interrompera a sua palestra com João e os observava. As palavras, “maior
de todos” soavam aos seus ouvidos, e parecia estar em uma divisão de uma
conquista material, como triunfadores do mundo, cada qual desejando a maior
parte da presa. Com exceção de Judas, que se mantinha em silêncio, todos eles
discutiam. Sentindo a incompreensão dos seus discípulos o Mestre olhou-os com
entristecida piedade. Em seguida Jesus, para espanto de todos, despiu a túnica
e cingiu-se com uma toalha, e à moda dos escravos mais íntimos, tomou de um
vaso com água, ajoelhou-se e começou a lavar os pés dos discípulos. Ante o
protesto geral em virtude daquele ato de extrema humildade, Jesus disse o seu
imorredouro ensinamento: - Vós me chamais Mestre e Senhor e dizeis bem,
porque eu o sou. Se eu, Senhor e Mestre lavo os vossos pés, deveis igualmente
lavar os pés uns dos outros, no caminho da vida, porque no Reino do Bem e da
Verdade, o maior será sempre aquele que se fizer sinceramente o menor de
todos!...
26-
A Negação de Pedro. O ato
do Mestre lavando os pés de seus discípulos encontrou incompreensão da parte de
Simão Pedro. Ele não concordava com esse ato extrema submissão. E chegada a sua
vez, recusou resoluto: - Nunca me
lavareis os pés, Mestre; meus companheiros estão sendo ingratos deixando-vos
praticar esse gesto, como se fôsseis escravo. Jesus lhe respondeu: - Simão, não queiras ser melhor que os teus
irmãos, em nenhuma circunstância da vida. Em verdade, assevero-te que, sem o
meu auxílio, não participarás com meu espírito das alegrias supremas da
redenção. Simão aquietou-se e ficou calado. Terminada a lição e retornando ao
seu lugar à mesa, o Mestre passou a meditar gravemente. Logo após, dando a
entender que sua visão espiritual devassava os acontecimentos do futuro, sentenciou:
- Aproxima-se a hora do meu
derradeiro testemunho! Sei que todos vós estareis dispersos nesse instante
supremo. É natural, porquanto ainda não
estais preparados. Antes que eu parta, quero deixar-vos um novo mandamento, o
de amar-vos uns aos outros como eu tenho amado; que sejais conhecidos como meus
discípulos, não pela superioridade, não por poderes espirituais, ou pelas
vestes que envergueis, mas pelo amor com que vos amo, pela humildade, pela boa
disposição no sacrifício próprio. Crede em Deus, crede também em mim. Na casa
de meu Pai, há muitas moradas (mundos habitados) se assim não fosse eu já vos
teria dito, e eu rogarei ao Pai e Ele vos dará outro Consolador. O Espírito de
Verdade, que o mundo não vê e nem conhece; vós o conhecereis, porque ele estará
em vós; mas o Consolador a quem o Pai enviará em meu nome; esse vos ensinará
todas as coisas e vos lembrará de tudo o que tenho ensinado.
Pedro, vendo que Jesus repetia uma
vez mais as mesmas recomendações, adiantou-se, indagando: - Afinal, Senhor, para onde ides? O Mestre
redarguiu: - Ainda não te encontras preparado para seguir-me. Simão desejando
provar aos companheiros o valor de sua dedicação acrescentou: - Não posso
seguir-vos? Acaso, Mestre poderá duvidar de minha coragem? Por vós darei
a minha própria vida! O Mestre sorriu e ponderou: - Pedro, a experiência te
ensinará melhores conclusões, porque, em verdade, te afirmo que esta noite o
galo não cantará sem que me tenhas negado por três vezes. Pedro retrucou: -
Julgas-me, então, um espírito mau e endurecido a esse ponto? O Mestre adiantou
com doçura: - Pedro, não te suponho
ingrato ou indiferente; vais aprender
hoje que o homem do mundo é mais frágil do que perverso.
A noite caíra sobre a cidade. Pedro
e João, vendo que a detenção de Jesus pelos emissários do Templo era fato
consumado, e, depois de ligeiro entendimento, João voltou a Betânia, a fim de
colocar a mãe de Jesus ao corrente dos fatos, enquanto Pedro se misturava ao
povo, de maneira a ver como poderia ser útil ao Mestre. O velho pescador sentiu
a hostilidade e penetrou no extenso pátio, onde estava a multidão. Logo uma das
servas se aproximou dele e exclamou: -
Não és tu um dos companheiros deste homem? - Indagou, designando a cela onde
Jesus se encontrava. Pedro, vendo que o instante era decisivo, declarou: -
Estás enganada. Não sou. Em seguida, fingindo despreocupação, se dirigiu a uma
pequena aglomeração que estava aquecendo-se junto a um braseiro. Novamente um
deles o reconheceu e o interpelou: - Então, vieste socorrer o teu Mestre? - Pedro respondeu, entre receoso e
assustado: - Que Mestre? Nunca fui
discípulo desse homem. Algumas horas se passaram para Simão Pedro, que tinha o
coração a duelar-se com a própria consciência, quando alguns servidores vieram
servir vinho. Um deles, encarando o discípulo com certo espanto, exclamou:
- É este! O discípulo que nos atacou no
horto!... Simão virou-se pálido e
protestou: - Estás enganado, amigo! Logo
que Simão pronunciou sua terceira negativa, os galos da vizinhança cantaram
anunciando a madrugada. Pedro recordou as palavras do Mestre e sentiu-se
perturbado por grande angústia, e voltando-se para a cela em que o Mestre se
achava prisioneiro, viu o semblante sofrido de Jesus a contemplá-lo através das
grades. Preso de indizível remorso, Pedro se retirou envergonhado de si mesmo.
Dando alguns passos, alcançou os muros exteriores, onde se deteve a chorar
amargamente. Desejava, agora, ansiosamente, ajoelhar-se ante o Mestre e
suplicar-lhe perdão para a sua queda dolorosa. Foi aí que o velho pescador
refletiu lembrando a advertência de Jesus, quando lhe dizia: - Pedro, o homem do mundo é mais frágil do
que perverso!. . .
27-
A Oração do Horto. Depois do ato de lavar os pés dos discípulos,
Jesus retornou ao lugar que ocupava a mesa e, antes de se retirarem, elevou os
olhos para o alto e orou fervorosamente, conforme está relatado no Evangelho de
João: - Pai santo, eis que é chegada a minha hora!
Acolhe-me em teu amor, eleva o teu filho, para que ele possa elevar-te, entre
os homens, no sacrifício supremo. Glorifiquei-te na Terra, testemunhei tua
magnanimidade e sabedoria e completo agora a obra que me confiaste. Neste
instante, pois, meu Pai, ampara-me com a luz que me deste, muito antes que este
mundo existisse!... Manifestei o teu nome aos amigos que me deste; eram teus e
tu me confiaste, para que recebessem a tua palavra de sabedoria e amor. Pai
rogo pelo mundo, que é obra tua e cuja perfeição se verificará algum dia,
porque está nos teus desígnios insondáveis; mas peço-te particularmente por
eles, pelos que me confiaste, tendo em
vista que o Evangelho, ficará no mundo sobre os seus ombros. Junto
deles, outros trabalhadores do Evangelho despertarão para a tua verdade. Pai
justo, o mundo ainda não te conheceu; eu, porém, te conheci e lhe fiz conhecer
o teu nome, a tua sabedoria e bondade infinita, para que o amor com que me tens
amado esteja neles e eu neles esteja!...
Terminada a oração, acompanhada em
silêncio por parte dos discípulos, Jesus se retirou em companhia de Simão Pedro
e dos dois filhos de Zebedeu, para o Monte das Oliveiras, onde costumava
meditar. Os demais companheiros se dispersaram, enquanto Judas, saindo não
conseguia afastar a tempestade de sentimentos que lhe devastava o coração. Dai
à instantes o Mestre e os três discípulos chegaram ao monte e acomodando os
discípulos em bancos naturais, o Mestre falou-lhes em tom sereno: - Esta é a
minha derradeira hora convosco! Orai e vigiai comigo, para que eu tenha a
glorificação de Deus no supremo testemunho!
Assim dizendo, afastou-se, a pequena distância, onde permaneceu em
oração.
Pedro, João e Tiago estavam profundamente
tocados pelo que viam e ouviam. Nunca o Mestre lhes parecera tão solene, tão
convicto, como naqueles instantes, e rompendo o silêncio que se fizera, João
disse: -
Oremos e vigiemos, de acordo com a recomendação do Mestre, pois, se ele
nos trouxe em sua companhia, isso significa a grandeza da sua confiança em
nosso auxílio. Puseram-se a meditar e sem que soubessem o motivo, adormeceram
no decurso da oração, e alguns minutos depois, acordavam, ouvindo o Mestre que
lhes observava: - Despertai! Não vos recomendei
que vigiásseis? Não podeis velar comigo, este minuto? João e os companheiros
esfregaram os olhos, reconhecendo as próprias faltas. Jesus, cujo olhar parecia
iluminado, lhes falou que fora visitado por um anjo de Deus, que o confortara
para o martírio supremo.
Mais uma vez Jesus lhes pediu que
orassem com o coração e novamente se afastou. Contudo, os discípulos cedendo
aos imperativos do corpo e não do espírito, de novo adormeceram. Despertaram
com o Mestre a lhes repetir: - Não conseguem então orar comigo? Antes, porém que pudessem justificar de novo
a sua falta, um grupo de soldados e populares aproximou-se, vindo Judas à
frente, que avançou e depôs na fronte do Mestre o beijo combinado, ao passo que
Jesus, sem denotar nenhuma fraqueza e deixando a lição de sua coragem aos
companheiros, perguntou: - Amigo, a que vieste? Sua interrogação não teve
resposta e os mensageiros dos sacerdotes prenderam-no e lhe manietaram as mãos,
como se o fizessem a um salteador vulgar. Pedro e João foram os últimos a se
separarem do Mestre, depois de tentarem a sua libertação.
João em suas meditações sobre a
oração no Horto das Oliveiras não encontrava explicação daquele sono
inesperado, quando desejava atender a Jesus. Por que não acompanhara Jesus
naquela oração derradeira. Em oração silenciosa, João se dirigia ao Mestre,
quase em lágrimas, implorando-lhe perdoasse o seu descuido na hora extrema. A
visão do Mestre ressuscitado veio encontrá-lo nesses pensamentos tristes. Certa
noite, ele sentiu que um sono brando lhe anestesiava a mente. Sonhou com o Mestre
que se aproximava com divino esplendor, e sorrindo disse-lhe: - João, a minha
oração no horto é também um ensinamento do Evangelho e uma exemplificação. Ela
significará para quantos vierem em nossos passos, que cada espírito na Terra
tem de ascender sozinho ao calvário de sua redenção, muitas vezes com a
despreocupação dos entes mais amados do mundo. Em face dessa lição, o discípulo
do futuro compreenderá que a sua marcha tem que ser solitária, uma vez que seus
familiares e companheiros de confiança se entregam a indiferença! Doravante,
pois, ao aprender a necessidade do valor individual no testemunho, nunca deixes
de orar e vigiar! . . .
28-
O Bom Ladrão. Alguns dias
antes da prisão do Mestre, os discípulos, nas suas discussões, comentavam o
problema da fé, com desejo desordenado de quantos se atiram aos assuntos
graves. – Como será essa virtude? De que modo vamos conservá-la no coração? –
inquiria Levi. Tiago falou: - Acredito que basta a nossa vontade, para que a
confiança em Deus esteja viva em nós. Mas a fé será virtude apenas para os que
desejam? - perguntava João. A um canto,
Jesus parecia meditar. Em dado momento, solicitado ao esclarecimento,
respondeu: - A fé pertence, sobretudo, aos que trabalham e confiam. Tê-la no
coração é estar sempre pronto para Deus.
Não importam a saúde ou a
enfermidade do corpo, não têm significação os infortúnios ou os sucessos da
vida material. A alma fiel trabalha confiante nos desígnios do Pai, que pode
dar os bens, retirá-los e restituí-los em tempo oportuno, e caminha sempre com
serenidade e amor, por todas as sendas pelas quais a mão generosa do Senhor a
queira conduzir. Levi então perguntou: - Mestre, como discernir a vontade de
Deus, naquilo que nos acontece? Tenho
visto muitas criaturas criminosas que atribuem à Providência divina, os seus
feitos delituosos, e outras pessoas inertes que classificam a preguiça como
fatalidade divina.
Jesus respondeu: - A vontade de
Deus, além da que conhecemos através de sua lei e de seus profetas, através do
conselho sábio e das inclinações naturais para o bem, é também a que se
manifesta, a cada instante da vida, misturando a alegria com as amarguras, para
que a criatura possa colher a experiência luminosa no caminho da existência.
Ter fé, portanto, é ser fiel a essa vontade, em todas as circunstâncias,
praticando o bem e seguindo o roteiro sagrado nas menores atitudes, na estrada
que nos compete percorrer. Tomé então falou: - Essa qualidade excepcional deve
ser atributo do espírito mais culto, porque o homem ignorante não poderá
cogitar da aquisição desse patrimônio. O Mestre fitou o discípulo e esclareceu:
- Todo homem de fé será, agora ou mais tarde, o irmão dileto da sabedoria e do
sentimento; porém, essa qualidade será a do filho leal ao Pai dos céus.
Na hora sombria da cruz, disfarçado
com vestes diferente, Tomé acompanhou, passo a passo, o corajoso Mestre. Onde
estava aquele Deus amoroso e bom, sobre
quem repousavam as suas esperanças? Seu amor possuiria apenas uma cruz para
oferecer ao filho dileto? Durante três anos havia acreditado em Deus com todo o
poder sobre o mundo; não conseguia, pois, entender como tolerava o seu enviado,
amorável e carinhoso, conduzido para o madeiro infamante, debaixo de
impropérios e pedradas. O prêmio do Mestre era então aquela desolação reservado
aos criminosos? Ansioso, o discípulo contemplou aquelas mãos que haviam semeado
o bem, o amor, a paz, a humildade, presas à cruz como duas flores
ensanguentadas. Valera a pena haver distribuído tantas graças do céu? Quem
teria sido mais fiel ao Pai do que Jesus? Tomé viu que o Mestre lançava os
olhos sobre um dos ladrões, que o fixava afetuosamente, e quecom voz débil,
disse para o Mestre com profunda sinceridade: -
Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino! O discípulo
ouviu Jesus dizer suave e esclarecedora: - Vês, Tomé? Quando todos os homens da
lei não me compreenderam e os meus discípulos me abandonaram, eis que encontro
a confiança leal no peito de um ladrão!...
Possuído de viva emoção, Tomé se pôs a chorar intimamente...
29- Os Quinhentos da Galileia. Os que eram agraciados com a presença do
Mestre se sentiam transbordantes de alegrias. Falava-se vagamente de que o
Mestre voltaria ao monte para despedir-se. O Mestre tinha prometido fazer de
novo ouvida a sua palavra num dos lugares prediletos das suas pregações de
outros tempos. Numa tarde em que o céu esta num azul profundo, a reduzida
comunidade dos discípulos do Mestre, ao lado de pequena multidão, reuniu-se em
oração no sitio solitário. Por instinto, todos tinham a impressão de que o
Mestre voltaria a ensinar as bem-aventuranças celestiais. A claridade das primeiras estrelas, parecia
criar uma paz que envolvia todas as pessoas. Foi nesse instante que a figura do
Mestre assomou no cume iluminado pelos derradeiros raios do Sol. Algumas
pessoas ao verem-no, soluçavam de júbilo sentindo as emoções mais belas de sua
vida.
As mãos do Mestre tinham a atitude
de quem abençoava enquanto todos lhe perceberam a amorosa despedida e, lhe
ouviu a exortação magnânima e profunda: -
Amados, eis que retomo a vida em meu Pai para regressar à luz do seu
Reino! Enviei meus discípulos como ovelhas no meio dos lobos e vos recomendo
que lhes sigais os passos no escabroso caminho. Vós sereis os semeadores, vós
sereis o fermento divino. Eu vos instituo os primeiros trabalhadores, os
herdeiros iniciais dos bens divinos. Para entrardes na posse do tesouro
celestial, muitas vezes experimentareis o martírio da cruz e o fel da
ingratidão. Séculos de lutas vos esperam nas estradas do mundo. . .
O mundo inteiro se levantará contra
vós, em obediência às forças tenebrosas do mal, que ainda dominam as
fronteiras. Não participareis do venenoso banquete das posses materiais;
sofrereis a perseguição e o terror; tereis o coração coberto de cicatrizes e de
ultraje. A chaga é o vosso sinal. Até que o meu Reino se estabeleça na Terra,
eu encherei a vossa solidão com a minha assistência incessante. Aperfeiçoemos o
nosso trabalho na lei de amor do Nosso Pai, em obediência feliz à sua vontade
augusta! Foi então que observaram o
Mestre, rodeado de luz, como a elevar-se no céu, em demanda de seu reino de paz
e amor. . .
Naquela noite de grande emoção, foi
confiado aos quinhentos da galileia, o serviço glorioso de evangelização das
pessoas em todo o mundo, sob a inspiração de Jesus. Mal sabiam eles, na sua
condição humana, que a palavra do Mestre alcançaria os séculos do porvir. Nos
circos da vaidade humana, nas fogueiras e nos suplícios, ensinaram a lição de
Jesus, com resignado heroísmo...
30-
Maria. Maria deixava-se
levar na corrente infinita das lembranças. Nas menores coisas, reconhecia a
intervenção da Providência celestial; entretanto, naquela hora, o seu
pensamento vagava também pelo vasto mar das mais aflitivas interrogações. Que
fizera Jesus por merecer tão amargas penas? Uma voz amiga lhe falava ao
espírito, dizendo das determinações insondáveis e justas de Deus, que precisam
ser aceitas para a redenção divina das criaturas; contudo, no santuário da
consciência, repetia a sua afirmação de sincera humildade: Faça-se na escrava a
vontade do Senhor!
Em meio de algumas mulheres
compadecidas, que lhe acompanhavam o angustioso transe, Maria sentiu que alguém
lhe pousava as mãos, de leve, sobre os ombros. Virando-se, viu a figura de João
que lhe estendia os braços amorosos e reconhecidos. Maria ainda exclamou para
Jesus: - Meu filho! Meu amado filho! O
Mestre no auge de suas dores replicou com o movimento dos olhos: - Mãe, eis aí
teu filho! E dirigindo-se ao discípulo
disse: - Filho, eis aí tua mãe!...
Após a separação dos discípulos que
saíram para a difusão da Boa Nova, Maria se retirou para a Batanéia, onde
alguns parentes a esperavam com especial carinho. Tocada por muitos dissabores,
observou que, em tempo rápido, as lembranças do filho amado se convertiam em
elementos de ásperas discussões, entre os seus seguidores. Relembrando Jesus, parecia vê-lo em seus sonhos repletos
de esperança. Nesse tempo, João tendo
presente ás observações do Mestre, surgiu na Batanéia, oferecendo àquela mãe o
refugio amoroso de sua proteção. Maria aceitou o oferecimento com imensa
satisfação. João então lhe contou que se instalara em Éfeso, onde as ideias
cristãs eram mais aceitas. João lhe disse que seria seu filho desvelado, e ela
seria sua mãe generosa, nos trabalhos do Evangelho. Maria aceitou alegremente.
Dentro em breve tempo, Maria falava
das lembranças de Jesus, enquanto o discípulo comentava as verdades
evangélicas. Decorridos alguns meses, grande fileira de necessitados se faziam
presente no sitio singelo e generoso. Sua choupana era, então, conhecida pelo
nome de “Casa da Santíssima”. Esse nome tivera origem quando um leproso, depois
de aliviado de suas dores, lhe beijou as mãos, e, reconhecido, disse: - Senhora
és a mãe de nosso Mestre e nossa mãe santíssima. Diariamente, acorriam os
enfermos que pediam a bênção de seu carinho. – Minha mãe como poderei vencer as
minhas dificuldades? Sinto-me abandonado na estrada escura da vida... Dizia um
dos mais aflitos. Maria lhe enviava um olhar de bondade e dizia: - Isso também
passa! Só o Reino de Deus é bastante forte para nunca passar de nossas almas,
com a eterna realização do Amor do Pai.
De súbito, receberam noticias de
que um período de perseguições aos fiéis à doutrina de Jesus. Alguns cristãos
fugidos de Roma traziam a Éfeso as tristes informações. Maria entregou-se às
orações, pedindo a Deus por todos aqueles que estavam em angústias do coração,
por amor de seu filho. Envolvida nas orações, Maria viu aproximar-se o vulto de
um pedinte, que exclamou: - Minha mãe,
venho fazer-te companhia e receber a tua bênção. Ela o convidou a entrar,
impressionada com aquela voz que lhe inspirava profunda simpatia. Onde ouvira,
noutros tempos, aquela voz meiga e carinhosa? Foi quando o pedinte anônimo lhe
estendeu as mãos generosas e lhe falou com profundo amor: - Minha mãe, vem aos meus braços! Nesse
instante ela fitou as suas mãos e viu nelas duas chagas. Compreendendo a visita
amorosa que Deus lhe enviava ao coração; disse com infinita alegria: - Meu
filho! Meu filho bem amado! Ele, porém
beijando-lhe as mãos, disse em tom carinhoso: - Sim, minha mãe, sou eu! Venho buscar-te, pois meu Pai quer que estejas
comigo no meu Reino.
Maria cambaleou, tomada de
inexprimível ventura. Queria dizer da sua felicidade e manifestar seu
agradecimento a Deus; mas o seu corpo estava paralisado. No outro dia, dois
sofredores regressaram com João, para assistir aos últimos instantes daquela
que lhes era a devotada Mãe Santíssima. Maria já não falava, e numa expressão
de serenidade, por longas horas ainda esperou a ruptura dos derradeiros laços
que a prendiam a existência material. Com a sensação de estar se afastando do
mundo, ela desejou rever a Galileia. Bastou ela desejar para que se encontrasse
no mar de maravilhosa beleza. A caravana espiritual que a conduzia já se
dispunha a partir, quando Maria se lembrou dos discípulos perseguidos pela
crueldade do mundo e desejou abraçar os que estavam guardados em escuros
calabouços. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir, sinceramente
desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos, uma lembrança perene. Que possuía
para lhes dar? Então, rogou a Deus que lhe desse a oportunidade de deixar entre
os cristãos a força da alegria.
Foi então, que se aproximou de uma
jovem encarcerada, e lhe disse ao ouvido: - Canta minha filha! Tenhamos bom
ânimo! Convertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o Céu... A triste
prisioneira não soube compreender o porquê da emotividade que lhe fez vibrar
subitamente o coração. Ignorando a razão de sua alegria, cantou um hino de profundo
amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão pelas dores que lhe eram enviadas,
fazendo das suas amarguras consoladoras
rimas de júbilo e esperança. Daí em instantes, seu canto melodioso era
acompanhado pelas centenas de pessoas que nos cárceres, aguardando o glorioso
testemunho...
Por essa razão, irmãos, quando
ouvirdes o cântico nos templos das diversas famílias religiosas do
Cristianismo, não vos esqueçam de fazer no coração, um brando silêncio para que
a Rosa Mística de Nazaré espalhe no seu íntimo o seu perfume!. .
Fonte:
Livro
“Boa Nova”
Obra
mediúnica do Espírito de Humberto de Campos.
Psicografia
de Francisco Candido Xavier
+ supressões, pequenos acréscimos e modificações.
Jc.
São
Luís, 9/3/2015
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