Dedico este texto a um pai, que em grande parte está vivendo uma velhice bem vivida. Ele ainda tem que ajeitar algumas coisas, mas que não ajeite muito rápido, para não ir embora tão logo!
Eu já observei muitas
pessoas próximas e não muito próximas envelhecendo, e penso poder fazer alguns
relatos, tirar algumas conclusões e formular algumas hipóteses. É fato que a
velhice é o caminho natural e obvio para a libertação da existência terrena, embora
nem toda ela ocorra somente na velhice, colhendo as pessoas em qualquer idade,
sendo esse caminho atual para todos.
Nessa libertação da existência
terrena há um enfrentamento e é o momento máximo em que estamos face a face com
nós mesmos, sozinhos - porque esse ato é
um ato solitário, mesmo se acontecer simultaneamente com outras pessoas. Tanto
é verdade, que muitos relatos de quase-morte e outros tantos pós-morte, via
mediúnica, falam do filme que se apresenta à nossa percepção, com todos os anos
da nossa vivência e atos da existência inteira.
Então é um momento de
suprema introspecção e a condição de idoso já começa a fazer um trabalho nesse
sentido. Já pelo próprio fato de que o idoso, por mais ativo que seja (e é
saudável que permaneça ativo, dentro dos limites que a idade impõe) sempre
estará atuando menos no mundo, do que alguém no vigor da juventude ou da
maturidade, em virtude da diminuição gradativa das forças vitais; um retirar-se
lentamente do cenário social, e por isso, a mente se volta para si próprio.
Lembranças recorrentes da
infância, fatos esquecidos durante a existência, saudades dos que se
foram... enquanto estávamos ainda na
correria da sobrevivência, guardamos tudo isso na nossa memória, que nesta fase
da existência, relaxam-se as amarras e vêm à tona muita coisa escondida de si
ou que nem lembrávamos. Há também um acúmulo de dores e alegrias que constituem
a bagagem emocional que se foi amontoando no decorrer dos anos: lutas, perdas,
ganhos, frustações, mágoas, decepções, ingratidões; realizações, conquistas e afetos... Isso é o que é a velhice, que se
apresenta de forma mais ou menos restritiva por incapacitações ou doenças. Mas
viver essa velhice é algo pessoal de cada pessoa.
Depende, em primeiro lugar,
como se viveu a existência e o que
se faz agora com o resto da
existência que ainda temos. A ausência de remorsos graves é de início uma boa
coisa, mas se estiverem presentes pequenos ou grandes arrependimentos, é hora
de rever, refazer, pedir perdão e, sobretudo, perdoar-se, sabendo que foi o
possível de ser feito e melhores ações ficarão para a próxima existência. A
certeza da reencarnação nesse ponto é altamente confortadora, afinal não
precisamos aprender nem nos desfazermos das nossas imperfeições, tudo de uma só
vez, pois haverá outras oportunidades. Entretanto, é bom durante a presente
existência, irmos logo resolvendo as pendências e desculpando e pedindo
desculpas para não ficarmos devedores.
A melancolia ou a serenidade
e até a depressão, levando até a
necessidade do uso de antidepressivos, depende da capacidade de
resistência e superação de todo esse arsenal de mágoas e tristezas que fazem
parte de todas as pessoas... de como sabermos nos elevar até o alto da montanha
e enxergar tudo com uma perspectiva de eternidade, com elevação, com compaixão
e com perdão. De como sabermos transformar dores e frustrações em experiências
de vida, em ensinamentos que sejamos capazes de partilhar com os que amamos, de
forma benevolente e sem imposições. De como tivermos aprendido (e se não
aprendemos, corramos para aprender enquanto na existência) a amar com desapego
e compreensão.
O fato de não querer se
tornar dependente e, portanto, fazer um esforço
de se manter em pé, é também um bom antídoto para uma velhice muito
degradada, tendo, porém, o cuidado para que isso não seja mais orgulho do que
autoestima e a pessoa não acabe negando
que a velhice, é sim, um período de limitações e temos que aceitá-la com
humildade e grandeza de alma.
Há três questões que ajudam
a tranquilizar nessa fase:
1- A espiritualidade é capaz
de nos fazer conectar com Deus, com a natureza, com nossos semelhantes e com
nossa essência divina e fazermos tudo o
que é capaz para encher o coração de paz;
2- A sensação de continuar
sendo útil, podendo ser a simples presença, um conselho, um afeto caloroso aos
filhos, netos, familiares, amigos, é muito positivo, sendo melhor do que num
asilo, isolado dos que ama, vivendo uma verdadeira tragédia;
3- A música. Existem pesquisas que mostram o
impacto produtivo
dessa arte nos neurônios,
nas emoções e na qualidade de vida das pessoas, principalmente as músicas suaves
que atingem os sentimentos; fazendo os idosos ficarem mais tranquilos e
felizes.
A fragilidade física que se
instala no idoso, se acompanhada por uma tristeza, por certas circunstâncias da
própria velhice, e se ele se entrega a recordações amargas, a culpas e apegos,
se não consegue desenvolver defesas de elevação moral, de perdão a si próprio e
aos outros, de serenidade existencial e de pensamentos otimistas e recordações
alegres, o desânimo e a desapego a existência, podem concorrer para abreviar a
sua partida da Terra...
Fonte:
Jornal
“Brasília Espirita” – nº 202
Artigo
da autora: Dora Incontri
+
Pequenas modificações
Jc.
São
Luís, 22/9/2016
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