Em
sessenta anos de atividade jurídica, nunca presenciei tamanha influência do
Supremo Tribunal Federal na vida dos brasileiros; nunca vi seus julgamentos
despertar tanto interesse, quando não perplexidade ou mesmo indignação nas
ruas. Há quem diga que essa exposição é saudável, que a democracia periga menos
se o povo souber de cor o nome dos onze ministros e ignorar quais sejam os
chefes militares.
É
o caso da Segunda Turma, sempre ela: como que para justificar todas as críticas
que vem recebendo, ela decidiu, com os indefectíveis votos de Gilmar Mendes,
Dias Tóffoli e Ricardo Lewandowski, livrar da cadeia José Dirceu e tirar do
juiz Sérgio Moro, trechos das declarações de executivos da Odebrecht, que
incriminavam Lula. Que ultraje! A isso é que se chama brincar com a segurança
constitucional. Os ministros fazem bruscas mudanças nas suas atitudes, pedidos
de vistas e engavetam os processos por anos, enquanto viajam ao exterior, em
classes executivas, para concorridas palestras, colóquios, placas e homenagens,
e reclamam que a rotina é muito exaustiva.
Para
os casos de irresponsabilidades, todo cidadão, no exercício de seus direitos
políticos, está legitimado a denunciar e pedir a deposição dos ministros da
corte suprema ao Senado Federal a quem compete afastar o magistrado.
Modesto
Carvalhosa, jurista e professor (aposentado) de direito da Universidade de São
Paulo (USP), Luís Carlos Crema e Laercio Laurelli, em face dos desmandos
praticados nos últimos tempos, pelo ministro Gilmar Mendes, baseados na Lei nº
1079, oferecem o pedido de impeachment. Nessa petição que tem quase uma centena
de páginas, argumentando e provando, pedem que o ministro seja apenado com a
perda do cargo do STF, e a inabilitação para o exercício de função pública por
oito anos, pelos seguintes motivos:
1-
Gilmar telefonou para Silval Barbosa, ex-governador de Mato Grosso, horas antes
de ele ser preso em flagrante na Operação Ararath, hipotecando-lhe
solidariedade e lhe prometendo interceder a seu favor junto ao ministro
Tóffoli, que relatava o inquérito. Silval é na palavra do ministro Luíz Fux, o
protagonista de uma delação monstruosa;
2-
Gilmar votou contra a prisão do secretário da Casa Civil e da Fazenda, Éder de
Moraes Dias, desse mesmo ex-governador, que segundo a Polícia Federal, foi o
principal operador do esquema de corrupção descoberto na Operação Ararath;
3-
Gilmar teve inúmeros encontros privados com o presidente Michel Temer, fora da
agenda oficial, alegando velha amizade, e, ainda, com voto de minerva no
Tribunal Superior Eleitoral, absolveu a chapa Dilma-Temer, de abuso de poder
político e econômico na última campanha, de maneira a preservar o mandato do
amigo e da amiga. Nesse processo, a ex-mulher de Gilmar, Samantha Ribeiro
Meyer-Pflug, emitiu parecer favorável a Temer, que depois, ele viria a nomeá-la
conselheira da Itaipu Binacional, sem contar que o presidente ainda tornou um
primo de Gilmar, Francisval Dias Mendes,
diretor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários;
4-
Gilmar agindo como verdadeiro soldado do PSDB, a despeito de ser o relator de
quatro inquéritos contra Aécio Neves, aceitou o pedido dele para convencer o
senador Flexa Ribeiro a seguir determinada orientação no tocante a projeto de
lei de abuso de autoridade;
5-
Gilmar, desprezando o fato de que sua
atual mulher trabalha no escritório que defendia os interesses do notório Elke
Batista, mandou libertá-lo da prisão;
6- Gilmar, por três vezes, livrou do cárcere
Jacob Barata Filho, milionário do setor de transportes do Rio de Janeiro, cuja
filha se casou com o sobrinho de Guiomar Mendes, mulher do ministro. Mais:
Francisco Feitosa, irmão de Guiomar, é sócio de Jacob Barata;
7-
Gilmar mandou soltar o ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes
de Passageiros do Rio, Lélis Marcos
Teixeira, cliente como Barata, do escritório de advocacia da qual faz
parte a esposa do ministro;
8-
Gilmar votou no processo de anulação da delação premiada dos proprietários do
grupo J&F, a despeito de a JBS haver patrocinado com 2,1 milhões de reais,
eventos do Instituto de Direito Público (IDP), empresa da qual o ministro é
sócio;
9-
Gilmar determinou a soltura do ex-presidente da Assembleia
Legislativa
de Mato Grosso, José Riva, conhecido como “o rei da ficha suja no Brasil”, que
foi defendido pelo advogado Rodrigo Mudrovitsch, não só professor do IDP, mas
também é o advogado do ministro em outra causa.
Nos
episódios expostos, Gilmar julgou e, pior, beneficiou quem ele não poderia
julgar, quando era ao menos manifestamente suspeito. Gilmar, sem nenhum pejo,
exerceu atividade política partidária; enfim, procedeu de modo incompatível com
a honra, a dignidade e o decoro de suas funções. Da conduta do ministro
resultaram violados dispositivos da Constituição, do Código de Processo Penal,
do Código de Processo Civil, do Código Eleitoral, da Lei Orgânica e do Código
de Ética da Magistratura Nacional e dos Regimentos Internos e Códigos de Ética
dos Servidores do STF e do TSE.
Em
síntese, Gilmar descumpriu seus deveres de neutralidade, independência e
imparcialidade, isto é, cometeu os
crimes de responsabilidade descritos nos incisos 2,3 e 5 do artigo 39 da Lei nº
1079/50, razão por que deve perder o
cargo e, por oito anos, ficar inabilitado para o exercício de função pública.
O
Supremo Tribunal Federal sempre foi uma das mais sagradas instituições do
regime democrático. Por isso mesmo, são necessárias
às garantias de que é cercado, e deve corresponder por parte de todos os seus
ministros o perfeito domínio da arte do bom e do justo julgamento.
Modesto Carvalhosa.
Fonte:
Revista “Veja”
edição 2.580 –
2/5/2018
+ Pequenos acréscimos
Jc.
São Luís, 16/5/2018
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